Arquivo de Marrabenta

Clube dos Entas (*): Conjunto “João Domingos”, a música e o “Whisky Time”para a Frelimo

Posted in Moçambique, Radiodifusão with tags , , , , , on 17 de Junho de 2009 by gm54
João Domingos, actuação ao vivo em Macau

João Domingos, actuação ao vivo em Macau

O Texto que se segue, de autoria do Luís Loforte, é parte da edição do “Clube dos Entas” a ser transmitido Quinta-feira, 18, e Segunda-feira, 22, na Antena Nacional da Rádio Moçambique. É ilustrado com músicas do Conjuntos João Domingos e Djambu.

“Muitos ouvintes (leitores) quererão saber as circunstâncias em que João Domingos da Conceição se interessou pelo mundo da música.

Nasceu em Maio de 1933 e cresceu até os 14 anos na vila de Inharrime, 70 quilómetros a sul da cidade de Inhambane. É em Inharrime que João Domingos tem as suas primeiras paixões pela música, primeiro como disc jockey dos gramofones e respectivos vinis de 78 rotações, e depois assistindo, fervorosamente, a actuações da popular «Ossumane Valgy Jazz Band», ida de Zandamela.

Em conversa telefónica que mantivemos recentemente com ele, João Domingos surpreendeu-nos ao fazer questão de nos dizer que Ossumane Valgy tocava a “verdadeira marrabenta”, o que nos pareceu com isso querer esbater a percepção que alimentávamos de que teria aprendido a ouvir e a tocar a marrabenta nos subúrbios da então cidade de Lourenço Marques.

Com ou sem essa percepção, a verdade é que o guitarrista, vocalista e compositor Ossumane Valgy inspirou várias gerações de músico nacionais, como o intérprete Fernando Luís, que ficou célebre, nos anos 80, por interpretar temas da banda de Zandamela, nomeadamente Zavala Tótè. Mas aqui falamos do conjunto «João Domingos».

Nós acreditámos que o conjunto «João Domingos» terá sido o agrupamento que mais palcos pisou, quer nacionais, quer internacionais, pelo menos ao seu tempo. Até ao extremo-oriente se fez representar, representando-nos, afinal, a todos nós.

CD do Conjunto João Domingos gravado em Macau

CD do Conjunto João Domingos gravado em Macau

De todos esses palcos queremos, porém, destacar um em especial, nomeadamente  o da Associação Africana da então cidade de Lourenço Marques.

Destacamo-lo não somente pelos espectáculos memoráveis que o conjunto «João Domingos» lá deu, mas também pelo seu contributo no enriquecimento da folha de serviços sociais, culturais e políticos que a agremiação acumulou ao longo dos anos da dominação colonial. Só quem não sabe, ou finge que não sabe o valor histórico da Associação Africana pode tolerar que aquele espaço físico seja votado àquele abandono, ou a actividades que não sejam mais dignas da sua estatura política.

Como podemos dizer aos mais novos, olhando para aquilo que é hoje aquele espaço, que era ali onde se editava o «Brado Africano»? E isto para perguntarmos porque é que aquele espaço não é declarado um monumento nacional, tal como em tempos foi declarado, e muito merecidamente, o Centro Associativo dos Negros da Província de Moçambique? Um preconceito de alguns?

Lamentações à parte, a verdade é que a Associação Africana foi um grande palco do João Domingos da Conceição, do «Gonzana», do «Young» Issufo, do «Globe Trotter» e do Filipe Tembe. Mas também de grandes dançarinos que os acompanhavam, como foram os casos de Mussá Tembe, Alfredo Caliano, Elarne Tajú, Carolina Albasine, Lázaro, Saíde Mundle, esse grande futebolista que jogou ao lado de Eusébio, e ainda Arlindo Haridás.

E já agora, uma pequena curiosidade, só digna de pessoas com coragem.

Contrariamente ao que hoje acontece, em que as festas são abrilhantadas por música em regime contínuo, naqueles anos havia o chamado Whisky Time, um intervalo geralmente destinado ao arrefecimento dos amplificadores da aparelhagem, mas também ao retemperar das forças pelos músicos.

O que acontece é que no toque de chamada para o grupo subir ao palco, o João Domingos usava o acorde principal do indicativo musical do programa radiofónico da Frente de Libertação de Moçambique. Só pessoas restritas sabiam desse temerário atrevimento de João Domingos”.

(*) O “Clube dos Entas”, é um programa radiofónico da Rádio Moçambique, transmitido na sua Antena Nacional (FM 92.3). É produzido por Edmundo Galiza Matos, Luís Loforte e Nassurdine Adamo. Pode ser escutado também na Net: www.rm.co.mz. Vai para o “AR” as quintas-feiras (22H05) e segundas-feitras (02H05)

Um olhar sobre a canção moçambicana nos anos 60 e 70 (*)

Posted in Uncategorized with tags , , , on 16 de Abril de 2009 by gm54

giradiscos

Por aqueles anos, salvo melhor opinião, a música ligeira de Moçambique estava ancorada nas terras do rand. Atrevemo até a dizer que Fany M’Pfumu, Alexandre Langa, Moniz Nothisso, Daniel Marivate, Alfiado Vilanculos, Lisboa Mathavele, Dilon Njinji, Francisco Mahecuane, Alexandre Jafete e tantos outros, não teriam certamente sido aquilo que vieram a ser se não tivessem desenvolvido a sua arte e as suas potencialidades na África do Sul. Em Moçambique não havia, nem mercado, nem indústria discográfica que os pudesse sedimentar.

Existem pelo mundo fora, na forma original, os registos discográficos que aqueles nossos artistas fizeram, cujas matrizes originais são mantidas pelas gravadoras que os registaram, não sendo por isso despropositado apelar, aqui e agora, que as entidades da cultura nacionais procurem resgatar aquele riquíssimo património.

Um exemplo propositadamente escolhido até para lançar mais achas na discussão em curso (que eu pretendo sã e desapaixonada), temos a versão de «João Domingos» para o tema «Georgina». Escutando com atenção, notaremos que está nela patente o ritmo da marrabenta, a primeira, ou talvez a mais conhecida expressão estilizada da música ligeira produzida em Moçambique.

E porque está em voga uma discussão interessante sobre a origem da marrabenta, que tal metermos uma colherada na matéria por um ângulo bem diferente daquele por que temos acompanhado o debate?

Em 1959 (já já vai meio século), em Joanesburgo, Alexandre Jafete gravou um tema a que deu o título de Marrabenta, através do qual critica a juventude de então por se alhear do trabalho, do estudo, da higiene, do casamento, dos bons hábitos, de tudo por causa da marrabenta. A marrabenta era, então, uma forma de alienação cultural. Em todas as épocas e em todas as latitudes as coisas novas provocam estas reacções. Foi assim com a bossa nova, no Brasil, com o blues, jazz, swing e soul, nos Estados Unidos, com o yé-yé, em todo o mundo, com o twist, e até com o xitsuketi, entre nós.

Luís Loforte: "De que marrabenta estamos a falar?"

Luís Loforte: "De que marrabenta estamos a falar?"

Alexandre Jafete Simbine, de seu nome completo, estudou no Colégio de Khambine, no distrito de Morrumbene, em Inhambane, nos anos 40. Conta um seu condiscípulo que a grande paixão que Jafete nutria pela música fê-lo abandonar o colégio, levando consigo um pequeno tesouro da sua turma: o hinário da Igreja Metodista Episcopal. Ao que se sabe, Alexandre Jafete nunca mais voltou a Moçambique, acabando por morrer, ao que se diz assassinado, na África do Sul.

A questão que se coloca é: defendendo-se com veemência que a marrabenta nasceu e se desenvolveu no bairro da Mafalala, na então Lourenço Marques, de que marrabenta fala e canta, então, Alexandre Jafete? Pergunta pretensiosa, admito, mas talvez a merecer uma modesta resposta dos entendidos, que presumo existirem entre nós.

(*) Este artigo, da autoria de Luís Loforte, foi publicado no programa da Rádio Moçambique “O Clube dos Entas” e foi adoptado por mim para este espaço virtual. Assim, e porque para uma melhor compreensão das ideias de Loforte (colaborador do programa), necessário se torna que os interessados escutem aquele programa esta quinta-feira (16) as 22H05 e segunda-feira (20) as 02H05 na frequência 92.3 (FM).