Uma "mamana" swazi experimentando um sapato, acossado por muitos miúdos vendedores de calçado no 'Shoprite' da Namaacha (Foto de EGMatos)
Se nos anos mais “quentes” da guerra em Moçambique, e até aos finais dos anos 90, a Swazilândia era o “El dorado” para os moçambicanos, hoje, aquele estatuto do país vizinho parece ter ficado para a história. Uma história triste, que nenhum moçambicano se atreve hoje a evocar por ter sido escrita com o sangue de centenas dos nossos conterrâneos e manchada pelo tratamento humilhante com que os “maswazis” nos brindavam.
A escassêz no nosso país do essencial para a sobrevivência – estou a referir-me a produtos tão simples como o pão, o açucar, a farinha de milho, arroz, óleo de cozinha e até sabão – resultado do nosso colapso económico devido à guerra dos 16 anos, levou os moçambicanos a terem que ir se abastecer daqueles produtos no mercado swazi. Diariamente, muitas centenas de concidadãos nossos, atravessavam a fronteira com o país de Sua Majestade para as compras, injectando na sua economia milhões de dólares que, numa situação normal em Moçambique, não entrariam nos cofres daquele país. Escusado será dizer que a guerra em Moçambique deve ter enriquecido muita gente, cá e lá.
Mas dizia eu que o “El dorado” swazi passou para a história, sendo que hoje, Moçambique, em paz, começa a ser o destino preferido dos nossos “irmãos” do outro lado, não só para compras, como também para a descoberta de uma outra realidade, muito mais dinâmica e menos estupificadora como aquela a que são obrigados a respeitar. Sabem do que estou a referir-me.
Se é verdade que moçambicanos há que ainda atravessam a fronteira da Namaacha para alguma compra do outro lado – sobretudo da carne bovina e suína – não o é menos que são aos magotes os cidadãos swazis que entram em Moçambique não só para adquirirem artigos de vestuário, como também para fazer turismo – ainda que barato – e, pasme-se, para provar a agua da grande lagoa salgada: o mar.
À quarta-feira e sábado, funciona na vila fronteiriça da Namaacha um mercado informal, informalmente chamado de Shoprite, onde, para além de produtos hortícolas, comes e bebes e quinquilharia diversa, se vende de tudo um pouco. Mas é sobretudo artigos de vestuário e principalmente calçado em segunda-mão o alvo preferido de muitas mulheres vindas da Swazilândia. No que ao calçado diz respeito, o curioso é que o mesmo deve ser de cor preta, sendo que é impossível encontrar um par que seja de uma outra matiz.
- Muitas jovens swazis deslocam-se ao mercado da Namaacha para compras de algo para revenda no seu país
A explicação para esta preferência pela cor preta do calçado é tão simples quanto dramática: é a cor predominante nos fardamentos escolares dos diferentes estabelecimentos de ensino do país. A outra razão prende-se com o facto de quase todos os subditos de Sua Majestade acordarem todos os dias com a notícia do falecimento de um ente querido, vítima da Sida. O luto não é ocasional, uma vez que a chamada doença do século ameaça tornar a Swazilândia um país despovoado dentro de poucos anos.
Poucos estarão informados da forma quase doentia com que os nossos vizinhos apreciam a fruta da abacateira, fruta abundante na província de Maputo. Carregam-na em grandes quantidades para o seu país, onde a revendem a preços escandalosos para nós. Este é outro dos motivos da “invasão” swazi, sobretudo nos primeiros trés meses do ano, altura da pera abacate.
- Depois das compras, esta senhora swazi arruma peças de vestuário e sapatos, enquanto aguarda pelo transporte para o seu país
A baixa de Maputo, ou, para ser mais exacto, alguns dos hotéis ali implantados, são literalmente ocupados por muitos jovens provenientes da Swazilândia, organizados em grupos excursionistas, interessados em conhecer uma cidade moderna, com atractivos diferentes dos das urbes do seu país e, mais do que isso, mais aberta em termos comportamentais. “Tá-se bem aqui”, imagino que deve ser isso o que dizem os jovens swazis.
Seria petulância da minha parte aferir, a partir deste volt-face nas relações entre as pessoas de ambos os países, que Moçambique é hoje o “El dorado” dos swazis. Nem pode ser, dado que as circunstâncias em que decorrem essas relações, não são ditadas por condicionalismos como guerra e escassêz de bens necessários à sobrevivência de uns e de outros.
A verdade porém manda concluir que se os moçambicanos não tiram proveito para se “vingarem” das humilhações a que foram sujeitos durante aqueles anos difíceis, que os vizinhos aprendam, de uma vez por todas, que um dia de um qualquer ano, também eles poderão ter que invadir o Mercado moçambicano para adquirirem o essencial para a sua sobrevivência. Até como espécie, sabe-se lá!