Em 1970, Cat Stevens editou “Tea for the Tillerman”, um conjunto de canções que serviram de primeira profecia: este era um músico inquieto, rodeado por problemáticas existenciais sem resposta aparente. Era o início de um percurso que o levou à conversão muçulmana e à mudança de identidade
1970 foi revelador: Bitches Brew (Miles Davis), John Lennon/Plastic Ono Band, Bryter Later (Nick Drake), All Things Must Pass (George Harrison) ou The Madcap Laughs (Syd Barrett) afirmavam em conjunto que o sonho de 60 terminara, longe de concretizado. Baralhavam-se referências e descobriam-se novas inspirações. Mas permanecia a crença numa mudança futura, lado a lado com protagonistas como a Guerra do Vietname. Cat Stevens descobria o seu caminho artístico neste entretanto, com Tea for the Tillerman – punhado de canções sobre dúvidas espirituais, dores de crescimento e questionamento ecológico. O disco é agora reeditado, revelando como foi início da conversão deste Cat para Yusuf Islam, transformado em filantropo espiritual durante três décadas.
Poucas vezes é apontado como referência – nunca cultivou mistérios suficientes para ser estrela pop para idolatrar. Mesmo agora, quando volta a apresentar Tea for the Tillerman (em formato remisturado e ampliado), prefere não esconder nada. Num texto assinado com um simples “Yusuf” (deixou de usar o Islam, diz que a palavra não necessita de “propaganda gratuita”), Steven Demetre Georgiou (baptizado a 21 de Julho de 1948 por uma ascendência grega cipriota e sueca) recorda que escreveu Father and Son porque o preocupava o diálogo com a realidade transcendental, que Wild World é um desgosto de amor – assunto intemporal, tal como a existência. Em 1968, Cat Stevens experimentava os primeiros sabores de uma receita de sucesso, a mesma que ia invadindo as ruas de Londres. No entanto, cedeu a uma tuberculose de difícil recuperação, que o levou a compor como nunca tinha feito até então, escrevendo títulos como But I Might Die Tonight ou On The Road To Find Out. Entre hospitais e estúdios de gravação sentiu ausências e descobriu motivações.
Só em 1978 se converteu ao islão, depois de uma experiência de quase morte no mar da costa da Califórnia. Revelou em diferentes entrevistas que, entre ondas e correntes, exclamou “meu Deus, se me salvares entrego-te a minha vida”. Descobriu mais tarde, numa viagem a Marrocos, o que chamavam de “música para Deus”. Pouco depois era leitor do Alcorão e desistia da carreira de músico no auge do sucesso: era o mais importante nome do catálogo da Island Records, com 60 milhões de discos vendidos. A música tornava-se mero instrumento de adoração, em que a voz deveria ser acompanhada apenas por percussão. Uma simplicidade próxima de Tea for the Tillerman, na verdade, documento assente nas harmonias de guitarras acústicas que nunca se sobrepõem às palavras cantadas. Era folk britânica transformada em pop, despojada mas, ainda assim, excessiva para um homem que agora era Yusuf, por paixão a José, filho de Jacob, exemplo dado pelo Alcorão.
Leiloou os seus instrumentos e afastou-se, acreditando que a cultura do ego que a pop exigia era proibitiva. Dedicou-se por inteiro ao seu novo ser muçulmano, fundando a Islamia Primary School, escola muçulmana de Londres. No entanto, não fugiu a novos ódios, quando no final dos anos 80 foi tido como apoiante da condenação à morte de Salman Rushdie, autor dos Versículos Satânicos. Nos anos 90, a mediatização das suas lutas por causas como as vítimas da guerra dos Balcãs trouxe-lhe novo alento junto de um público que continuou a ser-lhe fiel – Yusuf vende, ainda hoje, cerca de milhão e meio de discos por ano. A luta por uma maior compreensão e tolerância face ao Islão por parte do Ocidente transformou- -se em prioridade, sobretudo depois do 11 de Setembro, que publicamente condenou.
Rendeu-se às evidências em 2006, com a edição de An Other Cup. A música, na sua abrangência instrumental, era-lhe essencial. Voltou aos discos, num regresso que motivou também a reapresentação da obra que dele fez músico de corpo inteiro. Tea for the Tillerman é reedição óbvia ao representar uma visão quase profética da mudança que diz ter resultado no cumprimento de um “ciclo completo”.