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Sete perguntas e respostas sobre a condenação de Lula da Silva

Posted in Lula da Silva, Uncategorized on 12 de Julho de 2017 by gm54

Ex-Presidente brasileiro foi condenado a nove anos e meio de prisão

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Lula vai ser preso?

Por enquanto não. O próprio juiz Sergio Moro refere na sentença que “considerando que a prisão cautelar de um ex-presidente da República não deixa de envolver certos traumas, a prudência recomenda que se aguarde o julgamento pela Corte de Apelação”, ou seja, em segunda instância.

Qual o passo seguinte da defesa?

Recorrerá à Corte de Apelação, ou seja, ao Tribunal Regional Federal (TRF) de Porto Alegre, que tem jurisdição sobre Curitiba, onde trabalha Moro. Lá, um grupo de desembargadores decidirá se mantém a pena ou absolve.

Qual o comportamento padrão desse tribunal?

Dos 41 condenados por Moro que recorreram ao TRF, 12 acabaram absolvidos, incluindo na semana passada o tesoureiro do PT Vaccari Neto por falta de provas. Dos outros 29, em 13 casos a pena foi mantida, em cinco reduzida e em 13 aumentada.

Condenado em segunda instância, Lula será então preso?

Em princípio sim. Mas nos últimos tempos o Supremo tem divergido, mandado soltar presos nessas condições.

E condenado em segunda instância, pode concorrer às presidenciais de 2018?

Segundo a Lei da Ficha Limpa, que torna inelegíveis políticos condenados a partir da decisão de um colégio de desembargadores, NÃO. Mas caso a decisão do TRF ocorra já depois de registadas as candidaturas para 2018, Lula pode concorrer, dependendo de apreciação judicial. Se a decisão, finalmente, ocorrer com Lula já eleito, o processo é considerado nulo.

Lula foi condenado sozinho?

Não. Dois executivos da construtora OAS, incluindo Léo Pinheiro, ex-presidente da empresa e amigo pessoal de Lula, também foram.

Moro considerou-o culpado de todos os crimes de que era acusado no processo?

Não: apenas por corrupção ativa e lavagem de dinheiro no caso do tríplex. Havia outro, relativo ao seu acervo presidencial, em que foi absolvido.

Hortêncio Langa: os 60 anos de um grande compositor que um dia foi tocador da Gaita-de-beços e de Xighoghogwani (*)

Posted in Uncategorized with tags , on 25 de Março de 2011 by gm54

Alguém disse, e nós citamo-lo:

Um artista é normalmente uma pessoa que procura acrescentar alguma coisa a tudo o que foi feito; é alguém que procura entender-se a si próprio e entender o mundo através da arte que faz.”.

Estamos em crer que poucos recusarão a convicção que temos de que Hortêncio Langa se encaixa que nem uma luva na afirmação que acabámos de citar. E pelas mais variadas razões, e todas elas a concorrerem, hoje, 23, para justificar a circunstância de o homem e artista celebrar os seus 60 anos de vida e 41 de carreira.

Vinte e três de Março de 1951, Manjacaze, Gaza, nasce Hortêncio Ernesto Langa. Não o conhecemos pelas terras dos Khambanes, mas quem o acompanha desde os primórdios conta-nos que ele entra para as lides musicais pela via de uma tosca gaita-de-beiços que lhe foi oferecida aos 5 anos de idade. O instrumento cabia-lhe no bolso e assim podia transportá-lo para todo o lado e em todo o lado usá-lo para soprar as mais populares cantigas da época. Xin’veka, talvez!

Aos 12 anos, já radicado no Chibuto, um pouco mais a Sul, Hortêncio funda, com Wazimbo e Miguel Matsinhe, seus amigos de infância, os Rebeldes do Ritmo, naquilo que foi a sua primeira experiência musical em grupo. Até aí, Hortêncio apenas soprava o realejo, ou eventualmente cantasse. Por essa altura, Hortêncio também se inicia na guitarra. Viola de lata, ou xighoghogwani, entenda-se. E inicia-se com quem? Com um outro amigo de infância, o José Xidhakwa Mukhavele, hoje, como o Hortêncio, um nome marcante no panorama musical de Moçambique.

 

Foi com Wazimbo que Hortêncio Langa dá os primeiros passos na carreira

A necessidade de continuar os estudos, uma vez concluída a quarta-classe, leva-o à terminal do Xitonhana, as Oliveiras, onde apanha o machimbombo que o conduz à então Lourenço Marques.

Seria em Lourenço Marques, já na segunda metade da década de 60, que haveríamos de conhecer o Hortêncio, mais conhecido por Tom Tan Kamik entre a rapaziada de Mimangueni, no Chamanculo. E diga-se de passagem que foi aliás no Chamanculo que travámos conhecimento com a larga maioria dos nomes que iriam corporizar uma importante fornada de artistas-referência da actual música ligeira moçambicana.

Por aquelas alturas, e agora para avivarmos a memória do Hortêncio e de outros, a maior parte dos potenciais artistas da música ligeira emergente em Moçambique frequentava dois espaços no bairro do Chamanculo: as varandas do Telinho e do Queiroz. O Hortêncio, mais na varanda do primeiro do que na do segundo. Ainda com Wazimbo e Miguel, este infelizmente já falecido, Hortêncio participa na reedição do trio de Chibuto, mudando-lhe porém a designação para The Geyser (lê-se gaiza).

Sobre as denominações dos trios de Chibuto e de Lourenço Marques, não deixamos de manifestar alguma curiosidade. Se nos parece fácil relacionar a juventude com a rebeldia, isto por causa da denominação Os Rebeldes, ainda para mais para uma banda de rapazes vindos do Chibuto, já mais difícil será relacioná-la com um cilindro eléctrico para aquecer água. Mas deixemos isso para uma outra ocasião, mormente para daqui a 10 anos quando, com propriedade e legitimidade maiores, o Hortêncio poder dizer: Ni Tsendzelekile, andei por todo o lado!

Entretanto, as tendências musicais de então induzem uma mudança estrutural dos The Geyser. Entendem os seus mentores que o trio deveria evoluir para uma estrutura de supergrupo. Integram o Jaime Machatine, mais conhecido por Jaimito, que ingressa na banda como baterista. E se calhar ninguém imaginava que ali se escondesse um virtuoso viola-solo que se viria a revelar anos depois. Um Jaimito que nos dilacera as consciências vendo-o sem rumo nas imediações do Jardim Tunduru, defronte da nossa estação emissora, e deixando-nos mensagens pungentes que só o tempo, se alguém as conservar, ou anotar, as descodificará.

Dissemos atrás que Hortêncio e os seus The Geyser decidiram evoluir para aquilo a que na época se chamou de supergrupo. E o que é isso de supergrupo? Uma resposta a esta pergunta passará, necessariamente, por termos presente que a transformação dos The Geyser em supergrupo acontece em 1970, não sendo também por isso inocente tal circunstância. Foram sem dúvida os Ecos do Festival de Woodstock, um evento que deixou marcas em todo o mundo. E só isso explica o passo dado pelos The Geyser? Pode explicar, sim, mas exigindo melhor enquadramento.

Em 2010, quando assinalávamos neste espaço os 60 anos de vida de José Mukhavele, Hortêncio Langa revelou que o documentário sobre Woodstock provocou uma autêntica onda de choque nos músicos da capital, que lotavam a sala do Scala, em sessão da meia-noite em dia de estreia. Disse-nos Hortêncio:

O Scala estava cheio de músicos. Depois da sessão, ficámos a conversar em grupos, até às 4 da madrugada, sobre aquilo que havíamos acabado de assistir. Ninguém saiu indiferente, fomos para as nossas casas com a certeza de que algo mudaria nas nossas carreiras.”

Momento marcante do Festival de Woodstock, isto no segundo dos três dias do evento, foi quando o trio formado por David Crosby, Stephen (lê-se stifen) Stills e Graham Nash evoluiu para quarteto, integrando Neil Young. Isso foi anunciado em público e em público Neil Young assumiu o seu lugar no palco ao lado dos novos companheiros. Foi um autêntico delírio! Disse-se também na altura que isso significou a passagem de trio para uma estrutura de supergrupo. Fica assim claro, portanto, que supergrupo não significa, necessariamente, um elevado número de componentes. Para isso estava o termo big band, mais dado a grupos de Jazz. Era supergrupo porque o quarteto integrava elementos com nome feito, embora, posteriormente, tivessem visto a sua cotação subir após aquele acto público.

Portanto, o conceito de supergrupo nasceu no final dos anos 60 do século passado, e era normalmente usado para designar uma banda emergente formada por nomes famosos a solo, ou provindo de bandas famosas. A curta duração foi quase uma característica comum dos supergrupos, normalmente formados para a produção de um, no máximo dois álbuns, e invariavelmente de elevadíssima qualidade. Além dos Crosby, Stills, Nash and Young de que falámos, outros supergrupos perfilam na História da música ligeira internacional. Citamos apenas os mais conhecidos entre nós: Emerson, Like and Palmer, Beatles, Pink Floyd, Queen, Genesis, Yes. E, já agora, os The Geyser!

 

Hortêncio e os produtores do Programa Clube dos Entas: Edmundo Galiza Matos e Luís Loforte

Polémica à parte, foram os Cream que vieram a ser considerados o primeiro supergrupo da História, o qual teve na sua composição nomes como os de Eric Clapton, Steve Winwood, Jeff Back, Ginger Baker (lê-se beika) e Jimmy Page. Todos eles famosos, ou antes ou a posteriori. Um dia voltaremos a esta matéria com mais propriedade e num programa específico. E tudo porque hoje falamos de Hortêncio Langa. E para continuarmos a saga e dizer que para nós, quaisquer que tenham sido as linhas com que se vieram a coser os The Geyser na sua conversão para supergrupo, a verdade é que Hortêncio Langa se inspirou também nos Crosby, Stills, Nash and Young, com a honra de ter injectado elementos musicais da sua terra naquele tipo de música, feito de guitarra acústica e combinação de vozes fora do comum. E para isso secundado por nomes como os de João Cabaço e Arão Litsuri, como veremos lá mais para o fim.

Entretanto, e ao mesmo tempo que trabalha nos The Geyser, Hortêncio Langa inscreve-se na tuna universitária de Lourenço Marques, mais concretamente na tuna da Associação Académica de Lourenço Marques, onde toca viola e bandolim. Não só por esta incursão pelos meios académicos do cimento, mas sobretudo pela influência determinante do que vira de Woodstock, Hortêncio Langa foi, e continua a ser, para nós, um músico de pouca instrumentação, de duetos e de trios, mais dado ao acústico, do que, propriamente, a grandes bandas. Pode ser que nos enganemos, mas esta é a nossa convicção, convicção fundada no que lhe temos escutado ao longo dos anos. Tire o ouvinte as suas conclusões escutando as bonitas vozes de Hortêncio Langa e Arão Litsuri, um tudo ou nada à imagem do que lhe apontámos de Woodstock.

Depois de um hiato mais ou menos considerável, voltamos a cruzar-nos com Hortêncio Langa em Nampula, no ano de 1973, andava ele de verde-azeitona vestido e ao serviço do exército português. Expressão do seu eclectismo musical, ele faz parte de dois projectos musicais, o Grupo 2 e Alta Dimensão, e às vezes tocando com o lendário saxofonista moçambicano Chico da Conceição, como daquela vez que o vimos tocar num baile em Namialo. O Grupo 2 que integrava Eduardo Samalam, a viola-ritmo, Issufo Mussagy, na bateria, Samuel Chambe, na viola-baixo, Papaia, a vocalista, e Luís Betencourt nos teclados. E, já agora, António Marques (sim, o nosso homem das corridas de carros), no papel de apresentador. O grupo Alta Dimensão era mais curto, mais apropriado às características de Hortêncio Langa: João Paulo, que alternava actuações com Os Monstros, Mário Viegas, ao piano, José Rodrigues, a viola-baixo, e Necas na bateria.

De regresso a Lourenço marques, concluído o serviço militar, Hortêncio Langa cria, em 1974, com Jaimito, Zeca Tcheco, Billy Cuca, Milagre Langa (seu irmão) e Pedro Khumaio, a banda de afro-rock Monomotapa. Quem acompanhou com atenção a obra dos Monomotapa sabe que eles terão sido os principais precursores de uma nova inflexão que se imprimiu à marrabenta e magikha, uma acção que aconteceu entre 1974 e 1977. E se dúvidas houver… está aí o instrumental Magikha experimental!

E agora uma pausa ao discurso cronológico para dois momentos importantes: o primeiro, para desfazermos equívocos, e o segundo para um momento histórico e honroso para o Clube dos Entas. Comecemos com uma pergunta: quem é o autor do tema Xibomba xa ROMOS?

Nos anos 80, tivemos a honra de fazer parte de uma expedição cultural da Rádio Moçambique que se deslocou à cidade de Inhambane. O Grupo RM estendeu o seu elenco integrando nomes como os de Fany Mpfumu, Astra Harris, Billy Cuca, Hortêncio Langa, entre outros. O autocarro com que nos fazíamos transportar fora alugado à ROMOS, Rodoviária Moçambique – Sul. Teve muitas avarias e muitas foram as horas que consumimos até chegarmos à Terra da Boa Gente. O consolo para os massacrados expedicionários era o facto de a comitiva integrar músicos que, enquanto o autocarro era reiteradamente consertado, dedilhavam as suas guitarras ou cantavam alguns versos das suas canções. Até que, provavelmente em Zavala, com o cansaço no auge, e quando todos dormíamos, do fundo do machimbombo nos começou a chegar o som de uma guitarra tocada com paixão.

Todos nos quedámos no silêncio e embalados por aqueles langores de guitarra acústica provindos de mãos hábeis, embora desconhecidas para a maioria de nós. Hortêncio Langa sabia quem estava a dedilhar a guitarra. Sabia que era o Zé, que só podia ser o Zé Mukhavele. Improvisou a lírica, e toda ela adaptada às circunstâncias de uma viagem atribulada, embora com os seus encantos. A banana e a laranja na Manhiça, o arroz e a batata-doce em Xai-Xai, o ananás e a mandioca em Chissico, e, finalmente, o alvo do destino, o coco e a sura. É isso: “deixem de chorar que o machimbombo da ROMOS vos levará ao destino, ao destino do coco e da sura…”:

Primeiros intérpretes: uma delegação cultural de mais de 50 pessoas, entre músicos e desportistas e sob a bandeira da Rádio Moçambique.

Depois de um grande projecto que foi a banda Monomotapa, e isto para retomar o fio à meada, Hortêncio Langa teve uma curta carreira a solo, para depois formar um duo com Arão Litsuri, com o qual, aliás, iria conhecer o seu baptismo internacional, em 1979, quando se desloca a Cuba, Jamaica e Guiana, pouco depois da visita de Samora Machel àqueles países. Com a integração de João Cabaço, sem dúvida uma das melhores vozes de Moçambique, o duo passou a trio, para nós o projecto mais bem conseguido de Hortêncio Langa. Nesse mesmo ano, o trio é convidado a participar do Festival de Neubrandenburg (lê-se noibrandenburg), na então República Democrática Alemã. Da participação resultou um álbum de grande valor histórico e cultural para o nosso país, aqui recordado pelo Clube dos Entas nos seus temas mais significativos. Mas antes, uma sugestão: não só pelo seu valor musical, mas também pelo simbolismo que ele representa, este álbum deveria merecer um tratamento especial por parte do Ministério da Cultura, nomeadamente reeditando-o em suporte digital.

(*) – Viola feita de Lata de Azeite de 5 Lts

Texto da autoria de Luís Loforte para o Programa Clube dos Entas da Rádio Moçambique transmitido dia 24/03/2011

Mia Couto: seria desastre nacional se alguma vez Afonso Dlakhama chegasse ao poder em Moçambique

Posted in Uncategorized on 26 de Junho de 2010 by gm54

Malangatana e Mia Couto

O escritor Mia Couto analisa o recente processo eleitoral em Moçambique e os caminhos trilhados pela jovem nação africana até a conquista de um Estado democrático pleno

O escritor e biólogo moçambicano Mia Couto vê com cepticismo as possibilidades de o actual processo eleitoral no seu país induzir o renascimento das utopias que animaram o processo revolucionário moçambicano na década de 1970 e a consolidação de um projecto de nação que ele ajudou a construir. No entanto, não deixa de ressaltar o papel fundamental da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique) – actual partido governista e elementar no processo de redemocratização como grupo revolucionário – na estabilidade do país e na continuidade do processo de construção nacional.

LEIA MAIS AQUI: www.rm.co.mz

Como o senhor definiria o perfil social e político da oposição?

Seria um desastre nacional se alguma vez Afonso Dlakhama, da Renamo, chegasse ao poder. Já Deviz Simango, jovem engenheiro que saiu em ruptura com a Renamo e que ainda é prefeito da cidade da Beira (a segunda cidade de Moçambique) fez um bom trabalho em prol da cidade. Mas é preciso dizer que a oposição é algo que está em processo de criação. E é urgente que se crie uma oposição capaz, uma oposição construtora de alternativas e que abra caminhos e ideias novas.

Rui Quadros, caçador guia e campeão de tiro: Tombou um Kambako

Posted in Uncategorized on 26 de Junho de 2010 by gm54

Por Marcelino Gonçalves*

Nascido na histórica Ilha de Moçambique, em 1937, RUI QUADROS, é o primogénito de uma prole de nove irmãos, filhos de um casal cujo patriarca – Afonso Quadros – era funcionário do quadro da administração civil da colónia e que se tornou muito conhecido no território precisamente por ser chefe de uma tão grande família, coisa rara entre os brancos. Outra faceta que notabilizou o pai Quadros era a sua grande paixão pela caça, que praticava nas áreas da sua jurisdição administrativa, quando chefe de Posto, a propósito de resolver problemas de alimentação do pessoal sob a sua responsabilidade empregue nas diversas actividades (administrativo, obras, presos, abertura e limpeza de picadas, etc,) ou mesmo para eliminar animais daninhos que invadiam os povoados e suas culturas.

As constantes transferências a que estavam sujeitos os funcionários daquele quadro administrativo levaram Afonso Quadros e a sua família a viverem praticamente em todos os distritos da colónia de Moçambique e em locais dos mais isolados e inóspitos do interior. Dizia-se, não sei se com fundo de verdade, que o pai Quadros pedia para ocupar os Postos Administrativos mais isolados e afastados que normalmente eram recusados pelos seus colegas, precisamente porque se localizavam nas regiões onde existia maior densidade de animais selvagens. Estiveram na rota de trabalho deste funcionário localidades do interior com tais características, como Lunga, Itoculo, Matibane, Lalaua, Muite, Mutuali, Malema, Ligonha, Macuzi, Inhassunge, Gilé, Funhalouro e Saúte.

Naturalmente que os filhos, desde pequenos, criaram também a mesma paixão do seu progenitor, sabido que é que a caça é uma atracção muito forte para os jovens que têm o privilégio de viver em contacto com o mato e os animais bravios. O Rui, sendo o mais velho, desde tenra idade que acompanhava o pai nas incursões pelo mato e desde os seis anos que começou a lidar com espingardas. Começou pelas de pressão de ar e depressa passou às de bala de calibre ponto vinte e dois e depois às de calibres maiores. Iniciou-se no abate de aves e roedores e aos oito anos já matava pequenos antílopes. Aos nove anos abateu o seu primeiro búfalo e aos doze o primeiro elefante, tudo sob a batuta do seu pai e por vezes dos próprios cipaios do Posto.

Conheci o pai Quadros em meados da década de cinquenta durante as deambulações que também fiz como funcionário do mesmo quadro. Curiosamente, ele chefiou um Posto que bem conheci: o de Saúte, localizado na circunscrição do Alto Limpopo, província de Gaza, entre o rio Save e o rio Limpopo. Uma região de clima muito seco e com pouca população humana mas povoada de muitos milhares de animais bravios. Foi considerada, até à década de oitenta, a melhor área de caça de Moçambique e aquela que albergava mais variedades de espécies, algumas delas raras, como a girafa, a avestruz, a mezanze, a palapala cinzenta, a chita, a lebre saltadora, a raposa orelhuda e o lince. Outras espécies comuns, como elefantes, búfalos, elandes, zebras, gnús, palapalas, gondongas, cudos, leões, leopardos, chacais, hienas, inhalas, inhacosos, hipopótamos, impalas, changos, crocodilos, facoceros e cinco espécies de cabritos, eram muito abundantes. A célebre planície de Banhine era o epicentro desta região tão fértil em fauna selvagem e ficava a dois passos da povoação de Saúte. Um autêntico paraíso para a prática da caça, com destaque  para a chamada caça grossa, que ali foi praticada em regime livre até à década de sessenta. Viria, depois, a ser ali criada a coutada oficial n. 17 que mais tarde, em 1973, foi extinta devido à criação do Parque Nacional do Banhine.

Caçador-guia e desportista

Rui quadros mostra a um amigo algumas das mazelas da caça

Foi nesta e noutras regiões idênticas que Rui Quadros passou a maior parte da sua juventude e adquiriu uma larga experiência como caçador, tornando-se também um apaixonado pela vida animal. Só depois da instrução primária, que lhe foi ministrada pela mãe, se afastou para continuar os estudos (concluiu aos 17 anos os estudos secundários na África do Sul), mas durante as férias voltava sempre ao seio familiar e todo o seu tempo disponível era ocupado nas caçadas, que praticava à sombra das facilidades concedidas pelo próprio pai na qualidade de representante máximo da autoridade na respectiva área.

Gorados os seus sonhos de tornar um biólogo virado para o ramo da fauna selvagem, por dificuldades financeiras dos pais para o manterem a estudar na África do Sul, procurou em Lourenço Marques uma actividade que o mantivesse em contacto com os animais bravios e assim começou por estagiar no Museu Álvaro de Castro (actual Museu de História Natural) onde aprendeu a embalsamar pequenas espécies, nomeadamente aves. Rapidamente se interessou pela ornitologia e ao serviço do Instituto de Investigação Científica de Moçambique dedicou-se à captura de pássaros. Percorreu todo o território em busca de espécies raras não catalogadas, obtendo mais de uma centena de espécies novas para a vasta colecção do Museu. Durante uma dessas campanhas, de mais de seis meses, na região do Lago Niassa, desenvolveu ali o gosto pela caça submarina, uma actividade que, para além de emotiva, lhe dava substancias proveitos, pois vendia o pescado capturado, que normalmente atingia algumas dezenas de quilos por dia.

Entretanto, a cidade capital também o cativou. Gostava de belas mulheres e de belos carros. O Ford Mustang descapotável era uma das suas imagens de marca. Mas o irmão acha que o Rui se dava da mesma maneira no conforto de um hotel de cinco estrelas ou na esteira de uma palhota, no meio do mato.

Na capital, à altura Lourenço Marques, dedicava o tempo disponível à prática do tiro de stand e ao atletismo. Em ambas as actividades depresessa se notabilizou, logo a partir da categoria de júnior. No atletismo foi campeão de 400 e 800 metros. No tiro atingiu o patamar cimeiro em todas as provas, tornando-se campeão de Moçambique tanto na prancha como nos pombos, título que renovou sucessivamente, torneio após torneio, vencendo também inúmeras provas internacionais em que participou. Centenas de taças, medalhas e outros troféus foram-se acomulando na sua casa ao longo dos anos, primeiro em vitrines organizadas e depois a monte sobre os móveis da sala.

De entre os melhores atiradores da época só o seu colega e amigo Amadeu Peixe o equiparou em títulos. Morreu no último domingo (14 de junho), depois de uma sopa de feijão manteiga no seu inseparável Piri-piri.

* adaptação editorial do Savana (edição de 18/06/2010)

Música tradicional moçambicana: “Timbila ta Venâncio”: Testemunho e consagração do icone da timbila

Posted in Moçambique, Uncategorized with tags , , , on 28 de Maio de 2010 by gm54

A Música chopi, figurada na timbila, registou esta semana mais um momento alto da sua secular história. O seu ícone, Venâncio Mbande, aos 80 anos de idade, lançou segunda-feira (21 de Maio, Dia Mundial da Diversidade Cultural), em Maputo, o seu primeiro disco compacto, com o título génerico “Timbila Ta Venâncio – Ao vivo no Teatro África”.

Trata-se de uma obra prima que em si encerra a dimensão de Venâncio Mbande, enquanto músico e precursor deste instrumento tradicional que da província de Inhambane, sul de Moçambique, granjeou simpatia em todo o mundo e hoje é Património Oral e Imaterial da Humanidade.

O disco, com um total de onze faixas que retratam musicalmente a vivência e sonhos de Venâncio Mbande, é assumido desde já como a sua maior consagração.

Conta-se que este não é o primeiro registo discográfico. Logo após o seu regresso ao país e com base num estúdio móvel de 24 pistas, o músico e produtor finlandês Eero Koivistoin registou na casa do próprio Venâncio Mbande, a primeira obra intitulada “Timbila Ta Venâncio”, a qual foi editada pela NAXOS WORLD.

São escassas as informações sobre a circulação deste disco no mercado, entretanto, o que se afirma é que a NAXOS não produz para fins comerciais, mas sim funciona como depositária dos maiores clássicos do mundo.

Sob influência do seu tio e outros familiares, Venâncio Mbande aprendeu a tocar timbila aos 6 anos de idade e aos 18 anos, emigrou para África do Sul para trabalhar nas minas de Ouro. Foi neste país que em 1956, criou a sua própria orquestra e começou a compor as suas próprias músicas, começando assim, a sua grande ascensão como um dos maiores mestres de música Chopi.

Foi ainda a partir da vizinha África do Sul que Venâncio Mbande catapulta a música Chopi para os vários quadrantes do globo, particularmente depois do lançamento em 1948 do livro “Chopi Musicians”, escrito pelo etnomusicólogo Hugh Tracey. Diz-se que o livro contribuiu bastante para o reconhecimento internacional da música Chopi.

Mas foi com o apoio do professor de etnomusicologia Andrew Tracey, filho de Hugh Tracey que Venâncio Mbande se tornou no maior mestre de timbila conhecido no mundo, tendo actuado em muitas cidades importantes da Europa, e a sua música ou filmes, constam dos arquivos das mais importantes bibliotecas e arquivos espalhados pelo mundo inteiro.

Entretanto, o disco “Timbila Ta Venâncio – Ao vivo no Teatro África”, produzido sob a chancela da editora nacional “Ekaya Productions”, liderada por João Carlos Schwalbach”, surge no âmbito das celebrações dos seus 30 anos da Companhia Nacional de Canto e Dança (CNCD) e foi igualmente associado ao Festival Aldeia Cultural que decorre desde a última sexta-feira, na capital do país.

É forma de reconhecimento e homenagem da CNCD àqueles que com o seu talento e criatividade contribuíram para o desenvolvimento da cultura, criando um ambiente favorável para a prática e massificação das actividades culturais.

Conforme disse David Abílio, director geral da CNCD, entre essas figuras, destaque vai para o Venâncio Mbande, considerado o maior ícone de timbila. “Nós somos testemunhos disto. Nas nossas viagens, pelo mundo fora por curiosidade, visitamos bibliotecas e arquivos especializados em música e dança, para sabermos que informação dispunham de África e em particular de Moçambique. E encontramos com surpresa e satisfação, músicas gravadas e imagens de Venâncio Mbande, as vezes como a única referência de Moçambique”, anotou David Abílio, afirmando que prova maior da presença universal de Mbande foi a proclamação de Timbila pela UNESCO em 2005 como Obra Prima do Património Oral e Imaterial da Humanidade.

O Primeiro-Ministro moçambicano, Aires Ali presente na cerimónia oficial do lançamento do disco, apelou a dado passado do seu discurso, a união de esforços para que haja mais registo de obras de Venâncio Mbande, não só sob forma de disco, mas também de filme.

É interesse que a obra daquele ícone de timbila seja cada vez mais difundida e que sirva de bandeira da moçambicanidade. Aliás, Aires Ali disse que nas suas visitas de trabalho quer dentro ou for a do país, vai lever sempre consigo o disco de Venâncio Mbande.

De referir que depois da cerimónia oficial de lançamento do disco nas instalações do Centro Cultural Franco Moçambicano, Venâncio Mbande e a sua orquestra constituída foi 20 elementos, fizeram-se ao palco principal da “Aldeia Cultural” para apresentação ao grande público do novo álbum “Made in Mozambique”.

Indica-se que além da CNCD, da Ekaya Productions, o disco foi registado e produzido com o patrocínio da MOZAL, contou com o apoio da UNESCO e do Centro Cultural Franco Moçambicano.

Entretanto, o disco “Timbila Ta Venâncio – Ao vivo no Teatro África”, produzido sob a chancela da editora nacional “Ekaya Productions”, liderada por João Carlos Schwalbach”, surge no âmbito das celebrações dos seus 30 anos da Companhia Nacional de Canto e Dança (CNCD) e foi igualmente associado ao Festival Aldeia Cultural que decorre desde a última sexta-feira, na capital do país.

É forma de reconhecimento e homenagem da CNCD àqueles que com o seu talento e criatividade contribuíram para o desenvolvimento da cultura, criando um ambiente favorável para a prática e massificação das actividades culturais.

Longa-metragem ‘A República das Crianças’ de Flora Gomes nasce nas ruas de Maputo

Posted in Cinema, Moçambique, Uncategorized with tags , on 23 de Maio de 2010 by gm54

Flora Gomes dando instruções a um dos jovens actores numa rua da cidade de Maputo

Numa cidade onde todos os adultos foram para a guerra, são as crianças que assumem as funções dos mais velhos, de polícia sinaleiro a deputado, e constroem um mundo novo, de esperança e de sonhos. A cidade existe só na cabeça de Flora Gomes, mas está gradualmente a tomar forma nas ruas da capital moçambicana, onde o realizador guineense está a filmar A República das Crianças, a sua quinta longa-metragem.

O argumento, escrito a meias com um amigo, está pronto há meia dúzia de anos mas só agora começaram as filmagens, depois de escolhidos os nove actores principais entre 600 crianças de Maputo. No meio delas, um adulto, o actor norte americano Danny Glover, de Escape from Alcatraz, Lethal Weapon, Silverado ou, mais recentemente, 2012, onde interpreta o papel de presidente dos Estados Unidos.

“Queria falar um pouco de uma África mais organizada, uma África de esperança. Nos últimos tempos tem havido muitas guerras civis no nosso continente e queria virar as páginas da história, fazer com que pensássemos como um povo livre, que sonha e que constrói um país, para uma nova geração”, conta Flora Gomes. O cineasta resume assim o conteúdo do conto dos meninos que ocuparam a cidade que os adultos abandonaram, que organizaram o sistema de saúde e de educação, e criaram um Parlamento onde o presidente é diferente todos os dias.

Como em filmes anteriores, Flora Gomes escolheu não-profissionais para fazer o filme, onde Danny Glover, o conselheiro da República, é um dos poucos adultos com um papel relevante.

“Gosto dessas aventuras, de trabalhar com crianças, e até adultos, que nunca fizeram cinema. E tem dado resultado”, diz o realizador.

“Não e fácil trabalhar com meninos, mas é apaixonante. Gosto muito. Em todos os meus filmes sempre tenho essa possibilidade de trabalhar com os miúdos que nos dão coisas extraordinárias”, garante Flora Gomes num intervalo das filmagens, quando grandes camiões, projectores, máquinas de filmar e muita confusão deixam de boca aberta dezenas e dezenas de outras crianças, ávidas de ver o “circo” que se monta uma manhã inteira para um minuto de filmagem.

O filme, diz o cineasta guineense, deverá estar pronto no final do ano e a montagem é feita em Portugal, tanto mais que é uma co-produção portuguesa (Tejo Filmes) e francesa (Les Films de l’Après-midi).

Swazilândia: o sapato preto e a pera abacate “Made in Mozambique”

Posted in Comportamento, Economia, História, Moçambique, Uncategorized with tags on 8 de Abril de 2010 by gm54

Uma "mamana" swazi experimentando um sapato, acossado por muitos miúdos vendedores de calçado no 'Shoprite' da Namaacha (Foto de EGMatos)

Se nos anos mais “quentes” da guerra em Moçambique, e até aos finais dos anos 90, a Swazilândia era o “El dorado” para os moçambicanos, hoje, aquele estatuto do país vizinho parece ter ficado para a história. Uma história triste, que nenhum moçambicano se atreve hoje a evocar por ter sido escrita com o sangue de centenas dos nossos conterrâneos e manchada pelo tratamento humilhante com que os “maswazis” nos brindavam.

A escassêz no nosso país do essencial para a sobrevivência – estou a referir-me a produtos tão simples como o pão, o açucar, a farinha de milho, arroz, óleo de cozinha e até sabão – resultado do nosso colapso económico devido à guerra dos 16 anos, levou os moçambicanos a terem que ir se abastecer daqueles produtos no mercado swazi. Diariamente, muitas centenas de concidadãos nossos, atravessavam a fronteira com o país de Sua Majestade para as compras, injectando na sua economia milhões de dólares que, numa situação normal em Moçambique, não entrariam nos cofres daquele país. Escusado será dizer que a guerra em Moçambique deve ter enriquecido muita gente, cá e lá.

Mas dizia eu que o “El dorado” swazi passou para a história, sendo que hoje, Moçambique, em paz, começa a ser o destino preferido dos nossos “irmãos” do outro lado, não só para compras, como também para a descoberta de uma outra realidade, muito mais dinâmica e menos estupificadora como aquela a que são obrigados a respeitar. Sabem do que estou a referir-me.

Se é verdade que moçambicanos há que ainda atravessam a fronteira da Namaacha para alguma compra do outro lado – sobretudo da carne bovina e suína – não o é menos que são aos magotes os cidadãos swazis que entram em Moçambique não só para adquirirem artigos de vestuário, como também para fazer turismo – ainda que barato – e, pasme-se, para provar a agua da grande lagoa salgada: o mar.

À quarta-feira e sábado, funciona na vila fronteiriça da Namaacha um mercado informal, informalmente chamado de Shoprite, onde, para além de produtos hortícolas, comes e bebes e quinquilharia diversa, se vende de tudo um pouco. Mas é sobretudo artigos de vestuário e principalmente calçado em segunda-mão o alvo preferido de muitas mulheres vindas da Swazilândia. No que ao calçado diz respeito, o curioso é que o mesmo deve ser de cor preta, sendo que é impossível encontrar um par que seja de uma outra matiz.

Muitas jovens swazis deslocam-se ao mercado da Namaacha para compras de algo para revenda no seu país

A explicação para esta preferência pela cor preta do calçado é tão simples quanto dramática: é a cor predominante nos fardamentos escolares dos diferentes estabelecimentos de ensino do país. A outra razão prende-se com o facto de quase todos os subditos de Sua Majestade acordarem todos os dias com a notícia do falecimento de um ente querido, vítima da Sida. O luto não é ocasional, uma vez que a chamada doença do século ameaça tornar a Swazilândia um país despovoado dentro de poucos anos.

Poucos estarão informados da forma quase doentia com que os nossos vizinhos apreciam a fruta da abacateira, fruta abundante na província de Maputo. Carregam-na em grandes quantidades para o seu país, onde a revendem a preços escandalosos para nós. Este é outro dos motivos da “invasão” swazi, sobretudo nos primeiros trés meses do ano, altura da pera abacate.

Depois das compras, esta senhora swazi arruma peças de vestuário e sapatos, enquanto aguarda pelo transporte para o seu país

A baixa de Maputo, ou, para ser mais exacto, alguns dos hotéis ali implantados, são literalmente ocupados por muitos jovens provenientes da Swazilândia, organizados em grupos excursionistas, interessados em conhecer uma cidade moderna, com atractivos diferentes dos das urbes do seu país e, mais do que isso, mais aberta em termos comportamentais. “Tá-se bem aqui”, imagino que deve ser isso o que dizem os jovens swazis.

Seria petulância da minha parte aferir, a partir deste volt-face nas relações entre as pessoas de ambos os países, que Moçambique é hoje o “El dorado” dos swazis. Nem pode ser, dado que as circunstâncias em que decorrem essas relações, não são ditadas por condicionalismos como guerra e escassêz de bens necessários à sobrevivência de uns e de outros.

A verdade porém manda concluir que se os moçambicanos não tiram proveito para se “vingarem” das humilhações a que foram sujeitos durante aqueles anos difíceis, que os vizinhos aprendam, de uma vez por todas, que um dia de um qualquer ano, também eles poderão ter que invadir o Mercado moçambicano para adquirirem o essencial para a sua sobrevivência. Até como espécie, sabe-se lá!

Mundinho: um falcão entre a luz e a penunbra

Posted in Uncategorized with tags , , , on 19 de Outubro de 2009 by gm54

mundinho

Mundinho será daqueles músicos que nunca tocará nada sem ter a certeza daquilo que vai fazer. É um homem com o qual se deve ter cuidado na conversa, porque, como nas claves, que sustentam toda a sua vida, exigirá que as palavras sejam talhadas com responsabilidade. Está agora a caminho dos 70 – completa- os no dia 1 de Fevereiro de 2010 – e vive entre a luz e a penumbra, ou seja, é conhecido por muitos, mas muitos mais ainda o desconhecem. Por causa de mal-entendidos de algumas pessoas intelectualmente despreparadas, em certas ocasiões fi ca com medo de exprimir a sua opinião honesta. “Por vezes aparece alguém a perguntar-me se o fulano ou sicrano toca bem ou não determinado instrumento e eu respondo: sim, toca bem, mesmo sabendo que isso não é verdade.

O problema é que as pessoas não querem ouvir as verdades e eu também já não tenho idade para aguentar as farpas que virão depois disso”. Toca jazz standard, sem que isso lhe impeça de passar por outros estilos, como por exemplo a bossa nova, que ele nunca desgostou. “A bossa nova tem uma harmonia fantástica, como tem harmonia toda a música que é feita pelos brasileiros”, e Mundinho deixase cair facilmente nessa tentação. Mas será no jazz onde vamos encontrar a forte marca deste homem que vive hoje tranquilamente no bairro do Aeroporto, na cidade de Maputo.

Fomos à sua casa num dia desses, tendo como mote uma série de manifestações que estão sendo organizadas por um dos seus fi lhos: Adeodato, com vista a assinalar os 70 anos de vida de um homem que passou a vida inteira a cantar o tempo com instrumentos musicais. Um verdadeiro falcão que se revolta quando, no palco, no seu desempenho, é interrompido por indivíduos que não têm nenhuma cultura de jazz. “Como é que você vai fazer barulho, falando mais alto que os instrumentos, numa sessão de jazz? O jazz não é para qualquer pessoa. Fiquei desapontado no “Gil Vicente” quando, ao tocarmos, vezes sem conta apareciam ali pessoas embriagadas a manifestarem-se de forma negativa. Acho que se devem equilibrar os comportamentos para cada lugar”.

No semblante deste homem nota-se facilmente o sentido de vida. Parece um tigre que perscruta. Ou seja, recebeu-me com desconfiança na sua casa e eu percebi isso. Porém, passado pouco tempo de conversa, sentiuse impelido a abrir-se. Levou-me ao seu arsenal, onde, para além do piano vertical que me mostrou, deixoume contemplar mais cinco pianos eléctricos, um violão, uma bateria, uma guitarra e dois instrumentos de sopro. “Quando acordo fico sem saber que instrumento tocar para preencher os meus sentimentos. Se eu não toco não vivo”. E Mundinho toca aqueles instrumentos todos. O cachimbo é um adereço que faz parte do status deste artista. Fica mais tempo nas mãos do que propriamente nos lábios.

“Mas eu venho fumando desde os meus 20/22 anos, intercalando com cigarrilhas e charutos”. E isso é espantoso porque quando olhamos para o rosto do jazz-man, ele não está degradado. “Nunca tive problemas de saúde por causa do tabaco”

70 ANOS

pianistaSobre os eventos que Adeodato está a organizar em homenagem ao seu pai, Mundinho diz sentir-se bastante honrado. “Estou naturalmente feliz por esta iniciativa do meu fi lho. É uma forma de mostrar às pessoas que eu existo e fazer com que os que não me conhecem saibam quem é Mundinho”. Este músico apresenta-se em público pela primeira vez em 1956, com apenas 16 anos, no “Aquário” (uma casa de pasto famosa na altura, na então cidade de Lourenço Marques).

E daí para a frente foi uma espécie de turbilhão, que nunca mais parou de perfurar. Misturou-se, no seu percurso, com grandes nomes desse tempo, os quais se confundem até hoje, com o seu sucesso. Estamos a falar, por exemplo, de João Franco Dantier, Luís Franco Dantier, Fernando Chichorro, Mário Confaque, Alex Govers, Joel Libombo e o grande Daíco, um guitarrista alucinante que recebeu, pela Associação Africana, a primeira guitarra eléctrica em Moçambique. Mas estes são apenas alguns nomes de uma enxurrada deles, daquele tempo de mitos, porque hoje podemos encontrar Mundinho entre a nata dos melhores jazistas deste tempo. Apesar de Mundinho ser um pianista por excelência, e bom executante de outros instrumentos, poucas vezes – para um músico do seu gabarito – aparece em casas de especialidade.

“Já não tenho idade para tocar por meia dúzias de amendoins. Não vou porque não querem pagar. Os músicos devem ser bem pagos e aqui no nosso país, infelizmente, não está a acontecer isso”. Ainda na senda dos pagamentos, Mundinho recorda- nos que é afi nador de pianos. “Uma vez chamaram- me para o Hotel Polana e perguntaram-me quanto é que queria que me pagassem para afi nar um piano que estava parado há bastante tempo. Pedi 500 dólares e eles dispensaram os meus serviços. Foram contratar um sul-africano que, de certeza absoluta, pediu muito mais do que eu.

O resto você pode perceber o que é que signifi ca”. O músico sente-se – apesar de estar realizado de uma forma geral – desapontado com algumas situações do seu país, onde se nota facilmente que o músico não é devidamente valorizado. Mundinho tem um disco gravado – ainda sem título – com os músicos Filipinho e Edgar Wilson. “Esta obra ainda tem de ser aperfeiçoada. Vai sair no seu devido tempo”. E enquanto o disco não sai, Mundinho está a caminho dos 70 e, quando olha para trás, deixou um caminho feito de trabalho e música bem feita.

Capitão Mário Wilson já tem 80 anos

Posted in Uncategorized with tags , , , , on 19 de Outubro de 2009 by gm54

Por Carlos Rias (jornal “A Bola”, 18/outubro/2009)

Mario Wilson

É um nome incontornável na história do futebol português. Confessa, ainda hoje, que tem dois amores- o Benfica e a Académica. Mas tudo começou em Moçambique, há 80 anos. Mário Wilson está de parabéns e celebra o aniversário com uma entrevista a A BOLA.

– Lembra-se de Moçambique, das primeiras brincadeiras?– Perfeitamente. Tanto na rua, como nos recreios, manifestava a minha enorme paixão pelo futebol, identificava-me com ele. Quer calçado ou descalço, queria era jogar.
– E o cheiro da terra de África?
– Tenho-o comigo, imortalizei-o na minha memória. E a memória tem-me sido benéfica para coisas que são prioritárias.
– Chegou a constituir uma equipa com os amigos, os «Fura-redes»…
– Isso foi no Alto Maé. Era uma zona de transição, aí já funcionava a sociedade moçambicana. Tive a sorte de ser neto de Henry Wilson…
– Que era americano. E teve uma avó que era rainha…
– Chamávamos-lhe a rainha de Tembe, mas não era bem rainha, era uma princesa, porque era filha de um dos primeiros régulos, que vivia na Catembe. Foi aí que o meu avô, no seu percurso comercial, chegou e a viu. Os régulos tinham filhas que nunca mais acabavam! O meu avô fez uma opção: casar.
– E Henry Wilson…
– Era espectacular. Pegou na minha avó em Tembe e transportou-a para Lourenço Marques. É como ir buscá-la a Almada e trazê-la para Lisboa. Dela teve seis filhos. E educou-os na África do Sul. Isso fez com que aparecesse uma mentalidade diferente em toda a família Wilson. O meu pai também era um dos que ia para lá estudar.
– O seu avô era branco?
– Branquinho! No meu ginásio, o «Mister Wilson», está a minha fotografia, mas para mim é o meu avô que lá está. Há qualquer coisa muito profunda, com raízes espectaculares. Disso não me livro.
– Que fazia o seu pai?
– Quando regressou da Africa do Sul beneficiou da situação privilegiada que o pai tinha. E instalou-se nas oficinas de electricidade e outras que este já possuía. A minha ida para Coimbra tem muito a ver com esta filosofia familiar, com o sentimento de que era preciso estudar, ter cultura, ser independente.
– Jogou numa filial do Benfica, o Desportivo de Lourenço Marques…
– É daí que aparece a minha tendência benfiquista, mais ainda quando começo a ler uma revista, a Stadium. Nessa revista aparecem fulanos africanos, o Paquete, campeão de 100 metros, o Matos Fernandes, campeão barreirista, o Espírito Santo, que era do salto em altura e da velocidade…Todos eles fizeram aparecer em mim esse primeiro amor.
– Mas vem para o Sporting!
– Eu e o Juca éramos da selecção e gozávamos de ser elementos de eleição. Já aí começa a aparecer o Costa Pereira, no Ferroviário. E há um fulano do Sporting, que tinha a papelaria Progresso, que disse: «Estes dois vão para o meu Sporting». E trouxe-nos. Em Lisboa treinava três vezes por semana e ia estudar ali para os lados dos Olivais. Morava na Praça do Chile. O meu pai, pela formação que tinha, sabia que o futebol era coisa passageira.
– Quantos irmãos tem?
– Comigo somos seis.
– Todos formados?
– Os mais novos é que vieram para Portugal formar-se. Eu, um que é psiquiatra e outro que é radiologista, viajámos para cá e é por causa dos estudos que deixo o Sporting, quando tinha acabado de ser campeão nacional. E vou para a Académica. Em Coimbra instalo-me na «república» onde estava o Almeida Santos, já com o meu irmão lá.
– Em Moçambique era conhecido por Corina!
– Corina! Isso aparece de uma forma curiosa. Quando nasço, entra em voga em Moçambique uma música portuguesa. Ainda hoje a canto: «Corina, Mário morreu»E como tive o nome de Mário, a minha madrinha chamava-me de Corina.
– Ainda o conhecem por Corina?
– Quando dizem Corina sei que estou a falar com um moçambicano. Da velha guarda, pois claro!

Campeão no Sporting

– Não veio contrafeito para o Sporting, rival do seu Benfica?
– Não, porque a minha base era os novos horizontes que Portugal me abria. Mais, vinha para substituir o Peyroteo, um dos cinco violinos. A clubite doentia nunca foi muito apanágio meu. Continuo a ter os meus dois amores (Benfica e Académica), mas libertei-me cedo da forma doentia de sentir e dizer «sou deste e não posso ver os outros».
– A viagem para Portugal levou um mês, não foi?
– Viemos no Mouzinho de Albuquerque, eu e o Juca. O Juca era um bonitão, de uma elegância fantástica, ainda por cima de raça branca. Era um dos engatatões nessa viagem. Nos bailaricos lá estava o Juca. Nós, os africanos de côr, ainda que eu tivesse uma estatura agradável, éramos segregados, punham-nos de parte de forma violenta.
– Chega a Alvalade com 19 anos, para substituir um ídolo, também moçambicano.
– E fui o melhor marcador do Sporting logo no primeiro ano e o segundo melhor do campeonato (o Julinho, do Benfica, ficou em primeiro) e campeão nacional na segunda época. Mas quando apareci, creio que nem fiz os jogos todos, não entrei logo de caras.
– Como é que passou a defesa-central?
O Sporting vai jogar uma Taça Latina e lesiona-se o Passos. Não tinham outro defesa-central, eu até era polivalente e disseram-me: «É menino para fazer o lugar do Passos?» Claro, disse que sim. E aceitei, porque antes, na despedida do Peyroteu, num jogo particular, puseram-me a defesa-central e eu abri o livro. Foi no Sporting que comecei nesse lugar. Quando vou para a Académica já vou com a sensibilidade do lugar. Não estranhei ocupar essa posição.

Na académica com ajuda do ministro

– É verdade que a sua transferência para Coimbra meteu a cunha do ministro da Educação?
– É verdade, em absoluto. Havia a famosa Lei de Opção, mas porque eu era estudante, o ministério abriu um precedente que me beneficiou. Depois apareceram outros jogadores, como o Peres, que se transferiram da mesma forma.
– Em Coimbra começa a viver num ambiente subversivo, contra o regime fascista…
– Antes vivi com o Agostinho Neto, em Lisboa. Tinhamos uma intimidade profunda. Nós, os africanos, não nos libertávamos do espírito de independência. Nessa altura reunia com Agostinho Neto, Mário Miranda, Marcelino dos Santos (que fez atletismo comigo) e outros ligados à Guiné e a Cabo-Verde. Juntávamo-nos na Praça do Chile à 2ª feira, era infalível, e íamos numa romaria até aos Restauradores. Em Coimbra junto-me a Chipenda e ao Araújo. Eles acabam por fazer a sua luta, mas entra em acção a PIDE e são presos. Depois são libertados, um pouco por minha influência. Os da PIDE chamaram-me, porque era o capitão da Académica e disseram-me: «Estes tipos queriam fugir e a gente apanhou-os a caminho da Figueira da Foz. É importante que o Capitão faça com que eles abandonem essa ideia. E diga ao Chipenda, que se quiser, deixamo-lo ir fazer os exames que tem marcados na universidade» E foi mesmo, no Mercedes da PIDE, com chaufer e tudo. Mais tarde dá-se um conflito académico de monta, que origina a paragem do campeonato por uma jornada, como forma de protesto contra a colonização. Surgem os militares e somos chamados à Praça da República para definir a nossa posição. Fui o primeiro a ser ouvido, mais uma vez por ser o capitão. «O senhor joga ou não joga?», perguntaram-me. «Desculpem, mas preciso de falar à parte com os jogadores», respondi. Juntámo-nos todos numa sala e falei: «Temos tempo para as nossas lutas, não vamos suicidar-nos colectivamente. Acho que devemos dizer que vamos jogar. E o Chipenda,o Araújo, o N’dalo França e os demais disseram que sim. Mais tarde fugiram e entraram na luta da independência.
– Em Coimbra passa a ser o Velho Capitão…
– Foi a alcunha que mais perdurou. Porquê? Porque em Coimbra fui o eterno capitão, pela minha postura e maneira de ser. Era capitão na Académica quem tinha as habilitações mais elevadas. Até que apareceu Cândido de Oliveira e o Oscar Tellechea e disseram. «Não, o fulano que tem o perfil de capitão que nós imaginamos é Mário Wilson.» E fui capitão para sempre.
– Conheceu Mestre Cândido. Como era o homem, o treinador?
– Tive um convívio extremamente forte com ele. Foi sempre impecável. Ia para o hotel Astoria, onde vivia e falávamos horas a fio de futebol. Era um homem de grande dignidade, que gostava do bom convívio. Era uma delícia ouvi-lo. E era profundo, humano e inteligente no que defendia. Foi um dos catedráticos do futebol. Havia um grupo de doutores no café Arcádia que requisitava o Cândido e ele presidia a essas reuniões como um autêntico catedrático, com um domínio cultural impressionante sobre tudo o que se passava.
– Iniciou a sua carreira de treinador como adjunto dele, não foi?
– Sim, ainda era jogador, quando fui seu adjunto.
– Em 1963 acaba como jogador. Passa a adjunto de Otto Bumbel, depois de Janos Biri e de Mário Imbelloni e a fechar este ciclo é adjunto de Pedroto.
– Quando o Pedroto sai é que eu assumo o lugar de treinador da Académica. O Pedroto era intratável. Tinha atitudes que roçavam o racismo. Ele queria sempre ser o big boss.
«Pedroto era ele, ele e só ele»
– As grandes lutas Norte-Sul começam entre Pedroto e Wilson. E são lutas duras…
– São, são… Mas em Coimbra eu era o Capitão e os jogadores andavam à minha volta, pouco ligavam ao Pedroto. Eu era o espírito académico, o Pedroto era ganhar, ganhar…tinha uma determinação própria, um pouco a destoar daquele ambiente de Coimbra.
– Pedroto deixa a Académica por dar uma punhada num jornalista de Coimbra, não é?
– Exactamente. Ele foi acumulando pequenos ódios. Tinha coisas tal como o Pinto da Costa, de uma determinação inabalável. Uma das máximas do Pedroto era: «Morrer por morrer, que morra o meu pai, que é mais velho». Isto era Pedroto.
– Ia falar da saída de Pedroto…
– O Porto foi jogar a Coimbra e esse tal jornalista, depois do jogo, escreveu: «Este jogo antes de começar já estava perdido.» O Pedroto não esperou, foi ao café onde se reuniam os teóricos, viu o jornalista e perguntou-lhe: «Foi você que escreveu isto?». – «Fui, porquê?» E Pedroto respondeu-lhe com um soco nos queixos. Isto era Pedroto.

Uma tremenda farra

Posted in Uncategorized with tags , , , on 18 de Outubro de 2009 by gm54

Erasmo Carlos

Os parceiros musicais Roberto e Erasmo Carlos já declararam a sua afeição mútua na antológica canção “Amigo”. Na vida privada, as proclamações de amizade são menos convencionais. Nos anos 80,  num restaurante de Los Angeles, Roberto repreendeu Erasmo pela sua suposta falta de asseio: o Tremendão – como é conhecido desde os tempos da jovem guarda, movimento que lançou o rock brasileiro nos anos 60 – não havia lavado as mãos antes de ir aos lavabos. Hipocondríaco, conhecido pelas suas estranhas manias, Roberto Carlos tentou convencer o parceiro de que o órgão sexual masculino é uma peça frágil, susceptível a todo tipo de infecção – tocá-lo com as mãos sujas indicaria descuido com o próprio corpo.

Para provar a sua sintonia com o corpo, Erasmo embarcou numa candente defesa do próprio instrumento (não musical, bem entendido). “Ele obedece-me, entende-me, está sempre pronto para a guerra. É o meu melhor amigo”, disse. “Ele já te emprestou dinheiro?”, perguntou Roberto. E, diante da negativa de Erasmo, concluiu: “Então eu sou o seu melhor amigo”. Esse diálogo esquisito é uma das muitas anedotas incluídas por Erasmo em “Minha Fama de Mau”, que chega a partir de sexta-feira às livrarias.

Despretensioso e muito bem-humorado, o livro, com texto final do jornalista Leonardo Lichote, não é uma autobiografia minuciosa do cantor – trata-se antes de uma espécie de álbum de memórias, uma reunião de casos vividos por Erasmo em cinquenta anos de carreira, com flagrantes impagáveis da música brasileira do período.