Arquivo de Edmundo Galiza Matos

Sexto Festival Nacional de Cultura em Chimoio: a celebração e exaltação da cultura moçambicana

Posted in Moçambique with tags , , , , , , on 7 de Junho de 2010 by gm54

Bebé brincando com batuque, enquanto a mãe dançarina aguarda a entrada em cena

(Imagem (EGMatos) captada sábado, 5,na vila da Namaacha, na fase de apuramento dos representantes da província de Maputo)

Chimoio, Julho/agosto de 2010. Será exactamente na capital da província central de Manica, de 27 de julho a 1 de agosto, que os fazedores das artes e cultura, uma vez mais, terão a oportunidade de celebrar e exaltar as ricas, diversificadas e milenares tradições culturais moçambicanas. É o VI Festival Nacional da Cultura, evento nacional que ocorre no Ano Internacional de Aproximação de Culturas, facto proclamado pela 62ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, em reconhecimento do poder da cultura como factor de compreensão mútua, de paz e sobretudo de desenvolvimento sustentável.

O VI Festival Nacional de Cultura pretende-se que seja o momento mais alto de celebração e exaltação da cultura moçambicana, no objectivo de preservar, desenvolver as artes, a cultura e as tradições das diferentes comunidades e criar uma plataforma de interacção, intercâmbio e de divulgação do rico e diversificado património cultural do país.

José Mucavele: o tributo do Clube dos Entas (*), pelo percurso de vida e pela brilhante carreira do cantor

Posted in Comportamento, Moçambique, Radiodifusão, Word Music with tags , , , on 8 de Abril de 2010 by gm54

José Mucavele e Edmundo Galiza Matos, em novembro de 2009(José Mucavele e Edmundo Galiza Matos (um dos autores do Programa “Clube dos Entas”)

José Alfredo Mucavele, natural de Chibuto, Gaza, 1950. Na próxima segunda-feira, 5 de Abril, quando fizermos a reposição destas palavras, um dos maiores compositores e intérpretes do nosso país estará completando 60 anos de vida. Aqui e agora, e certamente traduzindo a vontade do país artístico, e não só, um modesto tributo do «Clube dos Entas» a José Mucavele. Pelo seu percurso de vida e pela brilhante carreira que tem trilhado desde 1969.

Conhecemos o José Mucavele em 1969, trabalhava então como pintor publicitário, ocupação para a qual ingressara em benefício de um curso de desenho tirado na Escola Industrial da então cidade de Lourenço Marques.

Decorria ainda o ano de 1969 quando o vemos integrado no conjunto «Os Escravos», conjunto que, depois, e claramente por razões de ordem política, se viu obrigado a mudar para a designação de «Os Psicadélicos».

Depois dos «Psicadélicos», Mucavele é convidado a integrar o agrupamento «Djambu 70», onde actua como trompetista. Em 1971, faz parte da banda «Conceito», formada por músicos universitários actuando na casa dos Antigos Estudantes de Coimbra e na residencial universitária vulgarmente conhecida por SELF.

Em 1972, Mucavele é visto a tocar com «Os Outros», tão somente a melhor banda de música ligeira de todos os tempos na cidade da Beira. Também tocou para a «Alta Tensão», outra banda de referência dos anos 70.

A partir de 1973, a carreira musical de José Mucavele parece eclipsar-se. É visto a leccionar a 4.ª Classe em Caniçado, Gaza, e depois, em 1974, a engajar-se nas fileiras da Frente de Libertação de Moçambique, para o que teve de fazer treinos militares em Nachingweya, na Tanzânia, juntamente com outros jovens de então como o até recentemente Ministro das Obras Públicas e Habitação, Felício Zacarias.

Só que não foram, nem o professorado, nem as armas que conseguiram sublimar a apetência de José Mucavele pelo campo cultural. Começa por integrar o grupo cénico das então FPLM, para depois, entre 1976 e 1977, na empresa Metochéria Agrícola, em Nampula, onde foi colocado como funcionário, desenvolver uma das suas maiores paixões: a pesquisa etno-cultural ligada à música.

Não nos custa por isso acreditar que é dessas pesquisas que emerge esta autêntica obra-prima de José Mucavele, do qual sobressai o Muthimba, o Tsope e o Tufu. E isto se mais não couber. Que o diga Felício Zacarias, que o ouviu o trmpete de José Mucavale, pela primeira vez, na Tanzânia.

José Mucavele retoma a carreira em 1978, nomeadamente com a sua participação no festival da juventude realizado em Cuba, e sobretudo com a sua integração no projecto que conduziria à criação do Grupo RM, onde actuava como trompetista. A circunstância pode ser aproveitada para breves considerações sobre o Grupo RM.

O cantor e compositor e o autor deste texto, Luís José Loforte(O cantor e compositor, junto com Luís Loforte, autor deste texto do Clube dos Entas)

O projecto do Conjunto RM foi sem dúvida uma ideia interessante, principalmente por ter entretido pessoas e fixado canções até aí reduzidas à sua expressão meramente popular.

Não querendo elaborar muito à volta dessa matéria, manda porém a verdade dizer que quem acompanhou como nós o percurso histórico deste agrupamento da nossa estação, sabe o quanto a sua estrutura orgânica limitava, e muito, os horizontes e a criatividade dos inquietos músicos, entre os quais se conta, sem dúvida, o José Mucavele. Era o problema da constelação de estrelas, mas também, e sobretudo, do burocratismo e da compensação nivelada por baixo, os quais, como sabemos hoje tão bem, não são bons parceiros da cultura. Aliás, como toda a tentativa de dirigir a cultura, ou de fazê-la por decretos.

Estamos em «CLUBE DOS ENTAS», que decidiu, para esta noite, prestar um tributo a José Mucavele, por ocasião dos seus 60 anos de vida.

Dissemos que José Mucavele iniciou a sua carreira em 1969, um ano marcante para a canção internacional, ou seja, o ano do festival de Woodstock.

Sobre isso, e num dos programas com que evocámos os 40 anos desse acontecimento, Hortêncio Langa, outro músico de créditos firmados entre nós, defendeu que praticamente todos os músicos da sua geração, ele próprio incluído, foram fortemente influenciados pelo festival de Woodstock. E para sustentar a sua tese, avançou mesmo que José Mucavele, seu companheiro de percurso,  terá adoptado a técnica de Richie Heavens na forma como toca a sua guitarra. Uma técnica que confudi até grandes compositores nossos conhecidos, como seja, o português Rui Veloso e o moçambicano Roberto Xitsondzo.

Apenas para recuperar o que então dissemos, Richie Heavens abriu o festival de Woodstock no lugar de Joe Cocker, por este ter apanhado uma tremenda pedrada na noite de véspera. Realinhou-se o programa, e lá teve Richie Heaven que subir ao palco.

Beneficiando ou não do impacto que deixam sempre aqueles que inauguram os grandes acontecimentos, a verdade é que Heavens electrizou literalmente a assistência e todos aqueles que o viram em filme rodado sobre Woodstock. Rui Veloso como que nos obrigou a ir à poeira do tempo, onde pudemos verificar que de facto fazia todo o sentido a sua afirmação.

De resto, José Mucavele e Rui Veloso são companheiros de uma já longa estrada, que terão provavelmente vivido as mesmas crises de identidade musical, o que lhes confere alguma autoridade na apreciação de um sobre o outro. O que a nós compete dizer sobre isso é que estranho seria se os bons não se inspirassem nos melhores! De resto, qual é o músico dos anos 60 e 70 que não foi beber do Woodstock?

Nassurdine Adamo (direita), um dos autores do programa, em conversa com outro radiófilo, Emídio Oliveira(Nassurdine Adamo, à direita, o sonoplasta do Clube dos Entas, na companhia de outro radiófilo, Emídio de Oliveira)

Mais à frente veremos como José Mucavele teve as suas próprias opções a partir das matrizes musicais nacionais, aí se tornando, sim, o músico que todos conhecemos, aliás a razão por que o celebramos esta noite.

Influenciado ou não pelo festival de Woodstock, ou se quiserem por Richie Heavens, o mais importante é que José Mucavele veio a encontrar e a seguir o seu próprio caminho, como aliás o prova toda a sua obra.

Interessante também é saber o que pensa José Mucavele sobre a música de outros criadores de Moçambique.

Decorria o ano de 2009 quando num debate, não nos ocorrendo se  na televisão ou na rádio, ouvimos José Mucavele dizer que para ele o maior músico de Moçambique de todos os tempos é Matchonguezy.

Tratando-se sem dúvida de uma afirmação discutível, a nossa opinião sobre ela é de que Mucavele terá sido igual a si próprio. Não fugiu um milímetro da sua forma peculiar de provocar uma polémica: fazer uma afirmação arrojada para deixar as pessoas estupefactas e obrigá-las a pensar. E tal como se esperava, a maior parte das pessoas não sabia quem era o tal Matchonguezy. O moderador incluído.

Na nossa opinião, e sem que nos arrisquemos tanto pela catalogação em excesso, Matchonguezy é, de facto, um ilustre desconhecido do meio musical moçambicano. E se nos é permitida uma comparação também algo arrojada, Matchonguezy estará para a música moçambicana, como Luís de Camões é para a literatura portuguesa. E até pelo percurso de vida de ambos. Morreu no anonimato e na quase indigência, deixando porém atrás de si uma obra de dimensões descomunais. À parte as comparações, julgamos que se impõe um estudo aturado à obra de Matchonguezy. E talvez concluamos o mesmo que concluiu José Mucavele.

Mas aonde pretende chegar o José Mucavele quando qualifica o Matchonguezy como o maior músico de sempre do nosso país? Na nossa modesta opinião, a afirmação de Mucavele não nasce do nada. Tem também por alvo a justificação do caminho que ele próprio resolveu trilhar: a música com tonalidade verdadeiramente moçambicana. Logo, o herói maior tinha de ser a sua nova candeia: Matchonguezy.

(*) O Clube dos Entas é um programa da Rádio Moçambique, de atoria de Edmundo Galiza Matos, Luís Loforte e Nassurdine Adamo. Vai para o AR às quintas-feiras (22H05) e segundas-feiras (02H05) e pode ser ouvido no www.rm.co.mz

O presente texto, de autoria de Luís José Loforte, é uma adaptação do programa dedicado a Zé Mucavele, que dia 5 de Abril completou 60 anos e 41 de carreira.

Jaimito: Um louco ou o homem que devia ter nascido amanhã?

Posted in Comportamento, Moçambique, Radiodifusão with tags , , , , on 16 de Janeiro de 2010 by gm54

Jaimito, sentadoe lendo à entrada do Centro Social da Rádio Moçambique em Maputo

Num dos muros da vedação do jardim botânico Tunduru, mesmo defronte do edifício-sede da Rádio Moçambique, em Maputo, estão expostos em papel normal ou cartolina, algumas reflexões, em texto, de um homem que chama a atenção de todo o transeunte da zona, mais precisamente da Rua da Rádio.

Estes escritos são de autoria de Jaime Machatine, mais conhecido por Jaimito, seu nome artístico.

Não estão registados em algum caderno ou simples bloco de notas e muito menos em livro, mas estão disponíveis para quem os quiser consultar, interessado em conhecer e compreender o que aquele homem, que um dia foi considerado um dos melhores guitarristas moçambicanos no seu tempo, pensa de si e da sua vida e dos que o rodeiam.

“Os escritos do Jaimito”, assim me atrevo a chamá-los, podem ser entendidos como sendo fragmentos do pensamento do seu autor sobre os mais díspares assuntos, que vão da música ao cinema, passando pela literatura e religião, que é o que ele mais gosta de dissertar nas suas notas e em conversa com aqueles que o conhecem.

Um outro assunto sobre o qual ele escreve tem a ver com a sua longa e misteriosa permanência fora de Moçambique e sobre a qual os pormenores são escassos e dispersos e deles o Jaimito jamais se refere.

São também escassas referências a pessoas ou instituições com quem se relacionou no período em que permaneceu fora do seu pais, embora, numa conversa corriqueira das muitas que tenho mantido com ele quando juntos tomamos uma “Bica” de café, se tenha referido “a minha mulher”  a propósito de uma das obras musicais de Joni Mitchel, cantora canadiana, versátil, que disse apreciar particularmente. Disse-me que tanto ele como aquela a sua companheira – de nacionalidade americana – partilhavam a mesma opinião sobre Mitchel, recordando até “compramos um LP” com uma foto da cantora sentada numa pedra nas margens de um lago ou riacho envolto numa paisagem tipicamente da América do Norte.

Na imagem pode-se ler as bandas do agrado do Jaimito

Num dia particularmente diferente dos demais Jaimito “soltou” um pouco a língua, talvez porque acabara de lhe oferecer uma cassete contendo a gravação do álbum “Thick As A Break” dos Jethro Tull, que me pedira havia muito tempo. Interessante como ficou agitadissímo quando comprovou no seu mal-tratado gravador o teor da gravação, que disse ter reconhecido logo de imediato ao ouvir os acordes da guitarra acústica iniciais da obra. Educadamente confidenciou-me que da banda liderada por Ian Anderson tinha particularmente preferência pela obra “ Benefit”, lançada dois anos (1970) antes dos Jethro Tull terem gravado o épico poema do pequeno Gerald Little Milton) Bostock.

Apenas para se aferir dos conhecimentos que Jaimito tem da música, é interessante a sua surpresa quando lhe informei que uma das últimas obras discográficas de Joni Mitchel que me chegaram as mãos tinha a ver com uma parceria entre a cantora e Charles Mingus, que este nunca viria a conhecer porque morrera uns dias antes da sua edição. Jaimito ficou extremamente interessado nos pormenores daquela que lhe parecera uma “estranha” mas ao mesmo tempo agradável colaboração entre uma assumida cantora folk e um jazzman esquizofrénico como o era Mingus. Fez-me prometer-lhe uma cassete com o registo da obra, tal era o seu interesse em ouvir que sonoridades Joni Mitchel e Charles Mingus poderiam produzir e oferecer que pudessem agradar aos seus fãs divididos quanto aos géneros.

Pois então, contou que viveu 16 anos nos Estados Unidos, após dois ou três anos de permanência em Portugal.

Em Lisboa e no Algarve, o guitarrista terá tocado em clubes nocturnos, com moçambicanos, angolanos e cabo-verdianos, nomeando Bana como tendo sido um deles. Não se recorda de alguma vez ter trabalhado com o Fu, um reputado baterista moçambicano radicado há vários anos em Portugal, muito conhecido nos meios musicais no Algarve.

Disse que com um certo Mitó Dickson (com quem se conhecera ainda em Moçambique) fez algumas gravações de músicas de autores moçambicanos, entre os quais de Wazimbo. Desconhece o paradeiro desses registos mas diz ter uma vaga ideia de que terão sido editados em disco pelo Mitó Dickson.

Em Portugal terá conhecido a “minha mulher”, americana, que entretanto engravidara. A filha de ambos, gerada naquele pais europeu, viria a nascer em 1982 nos Estados Unidos, por vontade expressa da mãe. Zara Jaime Machatine assim se chama a filha de Jaimito, tendo hoje 28 anos de idade.

O que fazia e de que vivia Jaimito nos Estados Unidos tal continua envolto num mistério, sendo certo porém que foi naquele país onde todos os seus problemas actuais tiveram origem.

Sabe-se apenas que dez dos dezasseis anos nos EUA foram vividos em cadeias e estabelecimentos psiquiátricos a mando dos tribunais, onde, como ele próprio me confidenciou, passou por experiências terríveis e conheceu gente da “pior espécie”.

É de supor que Jaimito, guitarrista dotado acima do normal para os padrões de Moçambique e Portugal, não tenha singrado em terras americanas onde o mercado musical é certamente mais exigente e bastante concorrido.

Sem trabalho e sem meios para uma vida desafogada e independente, terá então ficado na dependência da mulher, situação que, acredito, se lhe tornou insuportável e geradora de conflitos com a parceira, a quem, diz-se, terá violentado por diversas ocasiões.

O seu caso – e continuo nas meras suposições – terá sido comunicado as autoridades judiciais que não se fizeram de rogado perante um “estranja”.

A mais recente informação dá conta que, depois de várias anos de encarceramento em penitenciárias, a sua nacionalidade e a língua portuguesa, terão criado um natural interesse e simpatia de um psiquiatra americano de origem cubana. Tornaram-se amigos de longas e proveitosas conversas, o suficiente para o especialista caribenho lhe propor duas alternativas para solucionar o embróglio em que Jaimito se encontrava amarrado: ir viver para Cuba ou … regressar ao seu país.

O nosso guitarrista não hesitou: acompanhado por dois “gorilas” do FBI, voou dos EUA, com escala em Johanesburgo, até Maputo, onde foi entregue às autoridades moçambicanas.

De um dia para outro, ei-lo que encontra na Rádio Moçambique a sua casa e galeria de exposição dos seus textos “filosóficos”.

Os escritos estão sobre papel A4 normal mas, na falta deste, o autor fa-los em pedaços de cartões de embalagem de produtos alimentares ou bebidas, material fornecido por amigos e conhecidos, ou que ele próprio recolhe na rua ou nos cestos de lixo.

O lugar onde ele escreve as suas notas não podia ser mais inspirador para o Jaimito: num local público bastante concorrido por homens e mulheres das mais diversas profissões, a maior parte deles ligados a música e destes, alguns antigos membros de bandas que ele integrou antes de “dar o fora” de Moçambique.

Eis a galeria onde estão expostos os materiais do Jaimito: muro do Jardim Tunduru em Maputo

É no Centro Social da Rádio Moçambique onde preenche os seus dias, toma as refeições que lhe são oferecidas e dorme ou passa a noite numa das entradas daquela rádio pública. Todos os que por ali passam já se habituaram a vê-lo acocorado ou sentado a escrever as suas notas, compenetrado no que faz, aparentemente alheado do rebuliço da estrada.

O local tem todas as condições para que o Jamito se inspire para o que vai escrevendo, pois para além de se encontrar e conversar com os que foram seus amigos de outrora, testemunha como ninguém os mais diversos comportamentos dos frequentadores do estabelecimento.

De madrugada, contam os homens que velam pela segurança do centro, Jaimito entrega-se normalmente a tarefa de “publicar” os seus pensamentos, pregando-os numa frondosa árvore plantada no jardim dos serviços administrativos da Rádio Moçambique, qual um jornal de parede. Por estes dias, a “exposição” pode ser vista num dos muros do jardim botânico Tunduru, defronte da RM.

Após pregar o material, o nosso “escritor de rua”, faz o que todos fazemos – ou devíamos fazer: dirige-se as casas de banho do centro, onde cuida da sua hegiene pessoal. Senta-se depois num pequeno muro situado na rampa que dá acesso ao bar do centro, folheando velhos e rasgados livros, ou então escutando música de um pequeno gravador de cassete com auscultadores minúsculos ofertados certamente por uma alma compreensiva.

Registei em imagem fotográfica alguns dos seus escritos com a sua devida autorização. Antes faço notar que quando lhe pedi para lhe fazer um retrato ou uma fotografia em conjunto recebi dele um redondo “não”, justificando a recusa com o intrigante argumento de “eu não quero mais problemas com ninguém”. Anui e dei-me por satisfeito, não sem deixar de me perguntar a que problemas se referia e com quem.

Espectáculos: para ver e não para ouvir

Posted in Uncategorized with tags , , , , , , on 18 de Julho de 2009 by gm54

Collage Poster ao jazz

Por Edmundo Galiza Matos

“Os músicos podem ser muito diferentes mas o objectivo é sempre o mesmo: tocar as pessoas emocionalmente através do som”. Brandford Marsalis, “Público”

Amigos meus e ocasionais ouvintes do “Clube dos Entas” têm estranhado o facto de nunca me terem enxergado nos espectáculos de música realizados nas cidades de Maputo e Matola. Consideram até que, sendo eu produtor de um programa de rádio, mais virado para a música e para factos com ela relacionados, seria natural que me interessasse também pelos eventos que amiúde têm lugar nas duas cidades. Até para me documentar e informar sobre a quantas anda a nossa música…

Porque nunca fui capaz de lhes satisfazer a curiosidade, não lhes restou outra alternativa senão conjunturar que o meu alheamento só podia residir ou num absurdo pedantismo ou então que a idade já não me permitia passar pelos excessos, habituais entre nós, sobretudo em eventos musicais. Logo eu, um credenciado noctívago e cervejeiro ajuramentado… É mesmo estranho, não encaixa.

“Pedantismo” ou “velhice”, em qual das duas categorias me situo? eis uma questão sobre a qual nunca procurei dar uma reposta, mesmo para comigo próprio, pese embora este “comportamento desviante” me azucrine a cachola, sempre que se anuncia mais um espectáculo.

Hoje, muito embora não se conheça para breve qualquer evento cultural musical, não resisti à tentativa de procurar uma resposta para o enigma, “clicada” após a leitura de uma entrevista de Brandford Marsalis, esse grande saxofonista norte-americano, conceddida à jornalista Cristina Fernandes, do jornal português “Público”, no passado dia 10.

No excerto dessa intervenção do Brandford, que a seguir transcrevo, julgo que pode estar a residir uma das razões porque ando na contra-mão da “moda” dos espectáculos: “Em muitas sociedades, como é o caso da norte-americana, as pessoas ainda vão aos concertos para ver e não tanto para ouvir. É por isso que quando se fala do Michael Jackson os temas são as luvas, as jaquetas, o seu comportamento ou as coisas estranhas da vida dele, mas há muito pouca discussão sobre a voz”.

Ora aí está: Haverá por aí quem possa desmentir esta leitura de um dos rebentos da família Marsalis? Ninguém, pelo simples facto de que as grandes assistências dos nossos eventos culturais serem movidas por outros motivos que não os estritamente culturais. Ou seja: pretexto para a troca de copos, fuga a uma realidade cada vez mais incontrolável, exibição das mais extravagantes futilidades, para não dizer quinquilharias (telefones, vestuário, carros, etc). Objectivamente, está-se perante mais um fénomeno de alienação das multidões e não do que devem ser os eventos culturais dignos desse nome.

De outra faceta tão interessante quanto aquela se revestem os espectáculos musicais que se realizam entre nós, mormente os que se dizem de Jazz, a maioria dos quais, tendo como cabeças de cartaz nomes nacionais e uns tantos estrangeiros.

Confesso o receio de parecer pedante mas não posso esconder o meu desacordo quanto a esta matéria, sobretudo quando os nossos promotores de espectáculos, erradamente, atribuem a este ou aquele artista ou grupo, a qualidade de executantes do género Jazz.

Se me pedirem uma definição do que é Jazz direi sem rodeios que não a tenho. De uma coisa porém estou certo: Jazz, meus senhores, pode ser tudo, menos o que se ouve em qualquer “Senta Baixo” deste país e, na melhor das hipóteses, nos momentos que antecedem a chegada dos recém-casados aos tradicionais “copos d’Agua”. Bob James e o seu “Four Play” e Jimmy Dludlu, só para citar dois nomes conhecidos, entre uma garfada e outra, sabem muito bem aos comensais esfomeados que pululam as nossas festas. O Jazz não cabe neste esquema. Tenho dito.

Zena – essa grande diva da música Macua

Posted in Radiodifusão with tags , , , , , , on 19 de Junho de 2009 by gm54
Zena e Edmundo nas imediações da Rádio Moçambique e do Jardim Tunduru

Zena e Edmundo nas imediações da Rádio Moçambique e do Jardim Tunduru

Por Edmundo Galiza Matos

Conheci-a nos primeiros anos da década de 80 do século passado em Nampula. Ela, o Gimo (Mendes) Abdul Remane e o Salvador Maurício.

Os três tinham fortes ligações com a Casa da Cultura, organismo sob responsabilidade da Direcção Provincial de Educação, à frente da qual estava o actual ministro do pelouro, Aires Ali.

Zena Bacar (seu nome completo), com quem raramente cruzo no emaranhado das ruas e avenidas de Maputo, continua ligada a música e muito recentemente esteve num evento cultural na China, integrada num grupo do qual fazia parte o meu amigo Chico António, também ele um artista musical de grande calibre. Disse-me, a Zena, no último encontro que está na forja o seu primeiro disco a solo, a ser gravado num dos estúdios de Maputo.

O Gimo (Mendes) Abudl Remane, esse divide a sua vida, privada e artística, entre a Dinamarca e a Ilha de Moçambique, esse património mundial defronte do qual fica Mussoril, sua terra natal. Sei que para além de se apresentar em espectáculos, tanto nas escandinavas como em Moçambique e outras paragens, o Gimo dedica-se, aqui e ali, a dar aulas ou a proferir palestras sobre música, sobretudo a tradicional. Tem gravado um disco, “A Luz”, de 2005, com o selo da “Gateway”. Tomo conhecimento que acaba de ser nomeado, juntamente com o seu compatriota, Deodato Siquir, para a categoria de Melhor Artista Africano – Dinamarca (DK) 2009, cuja indicação dos premiados está prevista para Outubro próximo.

O Salvador Maurício, como se sabe, já não está no mundo dos vivos. Deixou-nos uma obra antológica, considerada o primeiro registo em disco de canções cantadas em Ximácua. Uma das suas canções, “Os Ratos Roeram Tudo”, muito popular, viria a ser banida na Rádio Moçambique, então única estação radiofónica no pais. Razões: de cariz eminentemente política, a letra criticava os dirigentes, no caso provinciais, de se apoderarem de todos os produtos alimentares e outros, escassos no mercado na altura, deixando para o grosso dos consumidores (população) quantidades insignificantes. Do género “Eles Comem Tudo, Não Deixam Nada” de Zeca Afonso. Estava-se na era do monopartidarismo em Moçambique.

Outros contextos históricos bem determinados, onde, curiosamente, a “filtragem” do que podia ou não ir para o “AR” na RM e outros media públicos de então era selada por alguns escribas que hoje, em jornais ditos “independentes”, “berram” aos quatro ventos contra a existência de uma Foice para capar os jornalistas mais atrevidos. Um deles – exactamente aquele que achou por bem banir a música “Os Ratos Roeram Tudo”, acabou ele próprio por zarpar para as Costas Ibéricas.

E porque estava a falar sobre o Salvador Maurício, vale a pena referir que ele legou-nos dois discos, ambos gravados e editados pela RM: On Hipiti (Ilha de Moçambique) em 1982 e, um ano depois, “Salvador Maurício”.  Enquanto na primeira obra pontificaram as colaborações de músicos do então grupo RM (Sox, José Guimarães, Milagre Langa, Zeca Tcheco, Pedro Ben, Wazimbo, Ernesto Zevo, José Mucavele e Alípio Cruz (Otis) e ainda Hortêncio Langa), na segunda o Salvador socorreu-se dos préstimos da “malta” da sua terra, Nampula, nomeadamente, Roque, Orlando, Eurico e Valentim Centura, nomes então desconhecidos mas que terão imprimido na obra sonoridades daquela região do país. Fernando Azevedo e António Francisco Cuna, já falecidos, foram os técnicos que registaram as duas obras, editadas em suporte vinil.

Mais tarde, os três (Gimo, Salvador e Zena) formariam então aquela que viria a ser a primeira banda estruturada da província de Nampula, o Eyuphuro, na qual pontificaram outros nomes, entre eles o Omar Issá. Uma banda incontornável no cancioneiro nacional, autora de três discos gravados em Maputo – um dos quais pela Rádio Moçambique – e na Grã-Bretanha.

Se é verdade que o trio só viria à ribalta da música moçambicana após a gravação da canção “Os Ratos Roeram Tudo”, não o é menos o facto de o primeiro registo das suas músicas ter sido feito por mim, em fita magnética “Scotch”, no Emissor Provincial da Rádio Moçambique em Nampula. Deve ter sido entre 1983/84. Infelizmente tal registo perdeu-se no emaranhado dos vários quilómetros de fita em bobines que existiam na discoteca daquele emissor.

A gravação foi feita nas antigas e degradadas instalações do emissor, num estúdio equipado com uma consoleta dos anos 30/40 (RCA, a válvulas) e a que acoplei um misturador romeno de má qualidade, com seis entradas para os microfones. O gravador era uma Revox PR 99, mono, moderna e um luxo na altura.

Para os padrões de então, a qualidade do registo era razoável e convenço-me agora que terá sido aquela tosca experiência que terá levado a Zena, o Gimo e o Salvador a pensar em “voos mais altos” e, de violas a tiracolo, rumarem para a sede da Rádio Moçambique, em Maputo, onde tinham melhores condições técnicas de gravação e edição das suas canções. A aposta deu certo.

Zena e a Rosa Langa, outra mulher de peso no jornalismo moçambicano

Zena e a Rosa Langa, outra mulher de peso no jornalismo moçambicano

Hoje, tal como referi, a Zena Bacar prepara-se para pôr no mercado o seu disco a solo, juntando-se assim a outras mulheres de Nampula, entre elas as irmãs Domingas e Belita. Recentemente, a “Diva da Música Macua” esteve na República Popular da China, integrada num grupo que incluía o Chico António, para se apresentar num evento cultural sino-africano. Ao que me contaram, não se saíram nada mal.

Vamos Roubar para Ler (*)

Posted in Uncategorized with tags , , on 23 de Abril de 2009 by gm54

Só os "Turras" é que liam Gorki

Só os "Turras" é que liam Gorki

Por: Edmundo Galiza Matos

Considero-me um leitor voraz e sempre sedento de livros. Diria mesmo que sou um “maníaco” da leitura. Da boa literatura, entenda-se. Tudo que seja papel garatujado, mesmo que em linguas e caracteres estranhos, é motivo para aguçar a minha curiosidade, ainda que nada de lá tire algo de proveitoso: é que o simples acto de decifrar e tentar entender o que se escreve é motivo mais que suficiente para meu deleite. O leitor que está debruçado sobre estas minhas confissões, poderá concluir que pertenço a uma espécie em vias de extinção. Um “fóssil” até. Não, não sou. Aceito sim ser uma das poucas excepções no mundo dos milhares de moçambicanos, minimamente letrados, que não gostam de folhear um livro e dele extrair experiências e ensinamentos para a vida.

No actual debate sobre o gosto (ou a falta dele) pela leitura entre nós, a constatação comunemente aceite pelos analistas terá como causa primária o difícil acesso ao livro ditado pelos proibitivos preços praticados pelas livrarias; ou então o descuido dos pais e educadores no estimular as pessoas – sobretudo os jovens – na prática do acto de ler como meio para se formarem cultural e cientificamente. Outros atiram as culpas para este estado de coisas aos ditames do mundo do telemóvel, da comunicação fútil e … da busca doentia da fama. Numa coisa estamos todos de acordo: o livro é caro. Poucos são aqueles que têm posses para o ter à mão. Mas também, a mediocridade das vidas de muitos é mais que evidente. Contudo interrogo-me:Desde quando o livro foi barato em Moçambique, tanto no período colonial como agora? Quantos dos que hoje lamentam esta realidade tiveram acesso fácil ao livro mas mesmo assim liam e muito?

Os que tiveram o privilégio de entrar numa livraria e de lá sair com um livro, contam-se pelos dedos da mão. A grande maioria, dentre ela eu, nem sequer tinha dinheiro para comprar uma sebenta quanto mais um livro. Contudo lia até à exaustão, “vício” que até hoje, orgulho-me, se me “grudou” e dele não não me desfasço.E como fazia então para ler, perguntar-me-ão.A resposta é tão simples como isto: roubando. É isso mesmo, ROUBANDO LIVROS. Hoje, para satisfazer o vício, não roubo, surripio.

A minha saga de Ladrão de Livros – não de Bicicletas – começa nos primeiros anos da minha adolescência na Livraria Sotil em Porto Amélia (Pemba): tal como o viciado pelas drogas pesadas que inicia a sua “carreira” não raras vezes “puxando” um inofensivo charro de suruma, este “leitor militante” iniciou-se na literatice, roubando e lendo os livros aos quadradinhos: Matt Marriot, Mandrak, Fantasma, Bill The Kidd; ou então os livrinhos de bolso de famosos Cow Boys “Revolver 45”, “Sete Balas”. Uma incursão minha a uma livraria, tendo como “guarda-costas” os irmãos Tique (João, César e Sérgio) resultava sempre num prejuízo considerável para a “Sotil”. Calças e camisas desmedidamente largas para a minha estatura eram o suficiente para acondicionar mais do que uma dezena de livrinhos. A senhora do balcão – que nós julgavamos uma pera doce – até se dava ares de despercebida com o atrevimento da miudagem e lá deixava-nos sair com o produto do crime. Até um dia …

"O ladrão de livros", ele mesmo

"O ladrão de livros", ele mesmo

Com o passar do tempo, o produto do “roubo” começou a ser mais volumoso e valioso, o que acarretava metódos mais complexos para me furtar à vigilância da balconista, portuguesa é preciso que se diga, mas, lá ia saindo com uma ou duas obras para surpresa dos meus cúmplices: O Irving Wallace e outros da mesma turma eram então os nossos preferidos. Até que a situação começou a “cheirar mal” para o dono da livraria que, perante os prejuízos passou a estar de olho, primeiro na própria empregada do balcão e depois para este “ladrão de Livros” que todos os dias entrava e saía do estabelecimento de mãos a abanar mas estranhamente com a barriguinha saliente. O hábito tornou-se rotina, de tal sorte que o ladrão de livros começou a exceder-se até que um dia foi surpreendido, não só com a prova do crime, mas com uma obra considerada então subversiva que não fazia parte do espólio da livraria. Apanhado e interrogado que foi, o meliante vai parar à esquadra da então PSP (polícia de segurança pública portuguesa) e dali para a famigerada PIDE, a secreta colonial. O agente, a princípio relutante em interrogar um miúdo que de subversivo nada tinha, só o fez quando informado que o “puto” era tão “turra” como o mais destemido dos macondes. O livro dizia tudo.“A Mãe”, de Máximo Gorki, ainda por cima com capa de um vermelho escuro, era mais que suficiente para me julgarem o mais perigoso dos contestários de então em Porto Amélia. Coitado de mim, que de política ainda era “virgem”. Com o ar mais macambuzio deste mundo, mas apercebendo-me da gravidade da situação, inventei a esfarrapada mentira de que o tinha achado numa lata de lixo lá para as bandas do Batalhão 14, em cujo seio existiam oficiais do exército colonial português desterrados de Portugal para a colónia em virtude das suas ideias revolucionárias. Ficaram-me com o livro e saí de lá com os ouvidos a doridos devido a duas bem dadas chapadas do Pidesco. Quem ficou a perder: o Renato Carrilho ou simplesmente Gunas que, por qualquer motivo, me havia pedido que entregasse a maldita “Mãe” a um dos seus amigos, de que não me recordo o nome. Era o “correio” dos mais velhos que habilmente, faziam circular literatura entre eles.

Porque as “confissões” já vão longas, fica-me o seguinte conselho para quem gosta de ler mas que não o faz porque não tem possibilidades para comprar o mais barato dos livros: uma vez por mês, entre numa livraria, roube um livro e o faça circular entre amigos. Se o prenderem, acredite meu caro amigo: irei depôr a seu favor em qualquer tribunal deste país porque terá praticado um acto nobre – roubar para ler. Se o fez para “negócio”, ponho-me a milhas.(X)

(*) – Opinião publicada a 28 de maio de 2008 no sítio wwwnantchite.blogspot.com